domingo, agosto 13, 2017

Polvo seco - pitéu algarvio



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A memória é uma faculdade que nos foi concedida e que, por vezes, tratamos mal. Mas ela é caprichosa, faz questão de marcar presença, e esta noite sonhei que estava na feira de Lagoa, a comer polvo seco e a bebericar moscatel de Setúbal.

Acordei intrigado, porque polvo seco é uma daquelas coisas de que passam anos sem que me lembre do infeliz, como se ele não existisse, até. E, todavia, é um pitéu tradicional português, de tempos imemoriais e aparentemente associado ao aproveitamento dos excessos de pescado.

A verdade é que o tempo passa e de duas, uma: ou faz tempo que não vagueio em caminhadas por feiras algarvias e me deliciava com o petisco, ou começo a estar demasiadamente amestrado às modernices que nos vão gradualmente minando, como o “sushi” e outros. Tenho a certeza que já há gerações de jovens que não só nunca comeram polvo seco como não sabem, sequer, que ele existe. Um exemplo vivo desta colonização dos tempos modernos, reunido com um grupo de jovens amigos de uma filha, uma jovem, excitada, me perguntou se eu gostava de “tempura”, um pitéu japonês que agora estava na moda. Eu, com a bonomia devida aos “vinte e poucos”, disse que sim. No fim, não resisti e disse-lhe que a “tempura” era o nosso vulgar “peixinho da horta" e que foram os portugueses que o haviam exportado para o Japão. Dois dias depois, a moça ligou-me e disse que tinha “googlado” o “tempura” e que eu tinha razão.

Voltando ao polvo seco, parece que também há “tempura” de polvo. Haja ou não haja, achei divertido ter sonhado com o polvo seco. Para quem acredite no significado dos sonhos, de duas, uma. Ou é uma mensagem a dizer-me que devo ir ao Algarve, o que manifestamente repudio em Agosto, ou qualquer outra coisa de transcendência indefinida e que dá uma trabalheira para lhe aplicar uma simbologia mais ou menos etérea. Desisti da mensagem e prometo comer polvo ao almoço. Não será seco… talvez à lagareiro. Não engorda muito e tem o toque mediterrânico do azeite às toneladas que parece que faz muito bem e contribui para que os portugueses se ufanem de que temos uma dieta fantástica, desde os tempos em que dávamos às criancinhas “sopas de cavalo cansado” ao pequeno-almoço.

Por fim, percorre-me uma grata sensação de frescura e conforto por ter feito um modesto post sem falar de um primeiro-ministro que todos os dias me dá vontade que o “tempure” (olha, falei, mas saiu-me, juro…).



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