sexta-feira, agosto 14, 2015

A arbitrariedade daqueles que nos capam o livre arbítrio


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Parece que o sal faz mal. Tanto como a sua falta. Basta recolhermos informação científica séria, para o percebermos.

Mas este paternalismo, este escrutínio permanente desta espécie de fiscais da minha saúde que se compraz em me dizer o que devo comer, quanto, como e quando faz-me pior do que todo o sal do mundo. Eu não consigo entender que a quantidade de sal que eu posso ingerir em cada papo-seco possa e tenha de ser legislada. Quanto mais não seja porque posso usar esse pão de salinização contida e legislada com umas fatias de presunto bem salgado, uma lata de anchovas ou molhá-lo nos despojos de uma salgadíssima e saborosíssima sardinha acabada de assar e que vem para o prato ainda envolta em floquinhos de sal grosso incrustado na pele. E os tremoços? Dá para petiscar uns tremoços se não vierem enrolados em sal grosso? E um ovo cozido? Como comê-lo sem atafulhá-lo de sal e pimenta? E o ovo estrelado?

Esta legislação sobre o pão que comemos é uma realização espiritual do funcionário/fiscal que existe dentro de nós desde o tempo dos fiscais de licença de isqueiro, que é a recordação mais remota que eu tenho destas idiossincrasias nacionais, a par da figura do contínuo da faculdade ou do revisor dos bilhetes da Carris. Dirão algumas luminárias progressistas que devemos esta faceta a Salazar, a par com o gozo da delação, que usávamos sempre que denunciávamos à PIDE um vizinho de cujo penteado não gostávamos. Mas eu não acho. Pelo contrário, penso que nos está nas tripas. No fundo, a grande realização espiritual lusitana. Fiscalizar qualquer coisa e actuar em conformidade sempre que a contravenção se verificar. Agravada agora com a conduta aparvalhada (é a segunda vez que, hoje, digo aparvalhada) que releva do main stream politicamente correcto que nos guia e enforma. E que resulta numa fauna bizarra de uns quantos que acham que nos devem dizer o que devemos fazer, quando, onde, como e, frequentemente, a quem. Em suma, reduzindo o livre arbítrio a uma expressão nula, perante a avalanche de boas práticas que devem nortear o homem novo.

Comamos, assim, o pão ensosso.

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