segunda-feira, abril 28, 2014

A direita não pode ser só virtudes


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A coisa estava a ser demasiadamente consensual. No desfile de comentários dos posts que aos costumes dizem esquerda, Vasco Graça Moura surgiu agora como um muito provável (quase certo, SIC) adepto e defensor da pena de morte. Não vá o homem ir só com elogios para o cemitério dos Olivais. E sobre o tema corre por aí uma movimentada conversa pelo FB. Com jeito, ainda descobrem que ele tinha mau hálito.

Esta forma de estar raia um tipo de patologia que me transcende. É, apenas, o que me ocorre dizer.

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domingo, abril 27, 2014

Valha-nos, aqui e ali, a clarividência




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40 anos depois do 25 de Abril, ter muitos filhos, ser de direita e ser católica só pode querer dizer uma coisa: sou um caso perdido dos ideais de Abril

Eu tenho um enorme problema: não sou de esquerda. Estes 40 anos não me converteram e continuo a ser uma herege de direita. Continuo a sofrer de uma espécie de masoquismo idealista que me mantém na barricada da direita e que faz com que eu não passe no crivo moralista da crítica nacional. Sempre me senti à margem do crivo moralista da crítica nacional e isso magoa, ofende mesmo. É que apesar de ser de direita sou sensível. Juro que sou. Tenho imensa inveja dos capitães de Abril, de Freitas do Amaral, de Mário Soares, de Ricardo Araújo Pereira e de todos os representantes genuínos dos ideais de Abril, que são certamente melhores pessoas do que eu. São de esquerda e ser de esquerda é estar do lado certo da força.

Se eu fosse de esquerda a minha vida seria muito mais simples. Ser de esquerda é ser boa pessoa e eu gostava que toda a gente me considerasse boa pessoa - ninguém duvidaria das minhas boas intenções mesmo que eu tivesse como sol o regime da Coreia do Norte. Mas quis o destino que eu gostasse mais dos mercados do que de Hugo Chávez e isso trama--me a vida. Não tenho credibilidade em matéria de bondades. É injusto.

Mas o pior nem é isso, o pior é que além de ser de direita também sou católica. Ora um católico praticante de direita 40 anos depois do 25 de Abril não é mais do que um beato fascista. Um retrógrado. Como se não não bastasse ser de direita, ainda tinha de inventar ser católica. É mau de mais. Se eu fosse de esquerda e católica, a minha circunstância seria muito mais agradável e já ninguém me chamava beata fascista. Seria com muita pinta apelidada de católica progressista, o que é muito mais chique e moderno. E eu gostava de ser chique e moderna, apesar de católica e de gostar dos mercados.

Sendo de direita, não tenho perdão: até podia ser a favor do casamento dos padres, da ordenação das mulheres, da distribuição de preservativos nas igrejas, mas como sou de direita, lá está, ninguém iria acreditar nas minhas boas intenções. Sou beata e pronto.

A coisa agrava-se ainda mais pelo facto de eu ter muitos filhos. Ter seis filhos, ser de direita e ainda por cima ser católica, é uma desgraça completa. É quase estupidez. É pedir chuva. É como gostar de ser gozado no recreio por causa da franja e teimar em manter a franja. Ainda por cima tenho o supremo azar de os meus filhos serem loiros (só tenho um moreno). Ora loiros, neste contexto, quer dizer betos. Tudo mau. Se eu fosse de esquerda ninguém olhava para os meus filhos como meia dúzia de betinhos mimados. Agora, esta coisa de ter uma família do tipo "Música no Coração" dá cabo da minha reputação. 40 anos depois do 25 de Abril e sem nenhum capitão de Abril na família (apenas um católico progressista), a minha reputação é, fatalmente, miserável.

Ora, 40 anos depois do 25 de Abril, ter muitos filhos, ser de direita e ser católica só pode querer dizer uma coisa: sou um caso perdido dos ideais de Abril. Ninguém que sofra desta tríade nociva pode ser tolerante, democrata ou defensor da liberdade. Mas eu sou. Juro que sou.

Se eu fosse de esquerda, de qualquer esquerda de Freitas a Louçã, não vivia neste sufoco moral (com jeitinho até podia ser monárquica). Também não passava a minha pobre existência de direita a explicar que tenho muitos filhos apesar de não ser rica, que sou católica apesar de não ser beata (até gosto muito dos Jesuítas...), que sou de direita mas não sou fascista. Fosse eu de esquerda e o povo de Abril seria tolerante com a minha condição, já podia ter dez filhos loirinhos, podia ser capitalista e até católica (tipo Guterres).

Passaram 40 anos do 25 de Abril e eu não sou de esquerda. No entanto, ainda tenho esperança de vir a ser de esquerda - Freitas e muitos outros demonstraram que a conversão é possível em qualquer idade - porque sei que seria mais livre. É que se eu me afirmasse de esquerda já podia ser livremente a pessoa de direita que de facto sou. Pois, apesar de já terem passado 40 anos do 25 de Abril, a nossa esquerda só tolera a esquerda.


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sexta-feira, abril 25, 2014

Eu não disse?





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No post anterior eu especulava sobre a actividade febril que iria nas televisões noticiosas sobre as comemorações paralelas. Cedi à tentação e liguei para a SIC-N. No preciso momento em que Ricardo Costa (esse, o do Expresso) debitava umas preciosidades sobre as comemorações paralelas que, confesso, já não consigo reproduzir com exactidão. Mas consigo, sem dificuldade, referir a legenda permanente onde, com descaramento, a estação anunciava «comemorações paralelas da Associação 25 de Abril, no Largo do Carmo, a escassas dezenas de metros da Assembleia da República» (meu negrito).

Qual o verdadeiro significado de tanta idiotia?


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Obscenidades


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Antes que a banalização da data cumprisse a ameaça dos últimos anos, eis que um grupelho vulgarmente conhecido pela esquerda, tratou de dar umas bombadas no «petromax» . Daí à vergonhosa manifestação de despeito (como apropriadamente lhe chamou a Helena Matos) foi um passo. Mais um punhado de gente de cravo, a cantar a Grândola e a fazer procissão até ao edifício da DGS compuseram o ramalhete final, numa das mais revoltantes operações de manipulação de massas que me foi dado assistir. Pelo meio, o espectáculo grotesco de ver Soares aos beijinhos a Otelo (um conhecido torcionário, condenado, mas mais tarde despenalizado por via de uma trapalhada qualquer em que Soares é exímio) e a Vasco Lourenço (um exemplo vivo do que aprendi a conhecer na tropa como lateiro, entenda-se aqueles que ficavam pela tropa porque não sabiam fazer mais nada).

Arrepiante. Grotesco. Continuamos mais ou menos à mercê de um grupo de gente que acha que todos nós devemos ser livres de pensar e agir, desde que o façamos como eles. A comunicação social cumpriu o seu papel de idiota útil, ainda que, pelo que me pareceu, genuinamente militante.

Na Assembleia da República, entretanto, os discursos do costume sucediam-se, como se de uma vulgar sessão se tratasse. E as claques, atentas, veneradoras e obrigadas, iam batendo palmas à medida dos intervenientes.

Deve ter havido, ainda, um fluxo de comentaristas nas televisões, mas confesso que não vi. Cansado desta gente, mais que a celebrada Teresa Batista estava da guerra, já não consigo ver os nossos canais noticiosos. Já só me fico pelo futebol.

NOTA: Já agora. Não há como mandar prender Vasco Lourenço? Não há lei nenhuma que preveja o permanente e obsceno incitamento à violência feita por esta criatura e que o leve a juízo? Por menos (chamar palhaço a Cavaco Silva), já houve quem tenha sido processado.


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domingo, abril 13, 2014

Lusoterapia


[5109]

Acontece que estou rouco que nem uma hiena engasgada. Ontem, então, não era rouco, era total e inapelavelmente afónico. Claro que Murphy, um amigo crónico desta casa, esteve sempre presente e poucas vezes como ontem o telefone tocou tanto.

Hoje acordei um pouquinho melhor. De afónico passei a rouco, grau 4, numa escala de 1 a 5. Coisa assim tipo gorila chateado nas montanhas do Burundi. Mas saí… estivera ontem todo o dia em casa, pelo que achei saudável sair. Problema é esta ancestral mania dos portugueses de terem receita para tudo. E quando não têm, pelo menos conhecem o melhor médico do mundo. Ora reparem:

Ao balcão da Sacolinha:

- Eu:  Grumpf (entenda-se, quero dois croissants de cereais para levar).
- Empregado: Aqui tem. De seguida, em tom confidencial: Olhe, uma casquinha de limão em água quente, mel e duas folhinhas de hortelã. Parece esquisito, mas olhe que melhora em duas horas. A minha sogra blá, blá, blá,blá…
- Eu: Grumpf (entenda-se, ok, obrigado, vou tratar disso já de seguida)

A pagar, à saída

- Eu: Grumpf (entenda-se, queria pagar, por favor).
- Menina simpática do caixa: Pois sim. Ui, que coisa, senhor, olhe, descanse em casa, beba muita, mas muita água e faça um chá de rodelas de cenoura e cascas de cebola, mas só as cascas, entende? Vai ver que passa logo, logo. A minha avó blá, blá, blá, blá... 
- Eu: Grumpf (entenda-se, obrigado vou já comprar as cenouras e as cebolas)

A entrar para o carro

- Amiga minha a estacionar à frente do meu: Oi, tudo bem?
- Eu: Grumpf (entenda-se: tudo bem obrigado e tu, também?)
- Ela: É pá, que coisa, estás rouco?
- Eu: Grumpf… (entenda-se: xiça, nota-se muito?)
- Ela: É pá, vai já comprar mel, mas mel a sério, não é desse industrial, mel biológico. Mistura com aguardente, pode ser brandy, mas bagaceira branca é melhor. Depois bebes um pouco e o resto esfrega no peito, a seguir põe uma toalha quente e deixa-te ficar com ela aí uma hora. Vais ver como passa logo. A minha mãe, blá, blá, blá, blá…
- Eu: Grumpf (entenda-se: pá, vai chatear o Camões, pá… tenho já tanta coisa para comprar, tanto conselho dado que já não vai dar para a aguardente e para a toalha – claro que este meu grumpf foi mesmo grumpf, não ia mandar a minha amiga chatear o Camões, ainda que me tivesse apetecido).

Muitos grumpfs e muitos conselhos depois, cheguei a casa. Trazia no ouvido dicas sobre limão, mel, açúcar, cenoura, cebola, romã (esta da romã não é liberdade poética, aconteceu MESMO *), flores de pessegueiro, urtigas (eu seja ceguinho), noz-moscada e mais uns quantos ingredientes que me aconselharam. Até um link para um blog me deram. Reflecti sobre o gene que faz de nós o homo terapeuticus, certamente uma versão ibérica do erectus que se fixou aqui pela Península e que fez com que soubéssemos sempre a cura das maleitas todas e, mesmo assim, andássemos sempre doentes. Ou conhece-se algum português que não sofra de qualquer coisinha, mesmo sabendo de antemão como curá-la?

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terça-feira, abril 08, 2014

Nada como tratar do palato, em tempos de cretinismo militante


[5108]

Sentei-me e fui atendido com a familiar gentileza de quem almoça naquele restaurante quase diariamente. O prato do dia era dobradinha com feijão branco, um prato que a cozinheira executa com particular esmero e apresenta com apreciável aprumo. A dobradinha é mesmo dobrada cortada em pedacinhos, bem emulsionada com o feijão branco em ponto óptimo de cozedura, refogo e tempero, servida numa travessinha rectangular, com dimensões adequadas a que não se encha a toalha de nódoas de molho, tudo muito apetitoso, muito salpicado de salsa, muito regalo à vista, à pituitária e à sensação incomparável de se consolar o palato.

Mas a dobradinha tinha acabado… fui almoçar tarde e o Sr. Gato (o homem chama-se Gato, vão por mim) torcia-se de embaraço por não me ter guardado um pouco do prato do dia. Desculpas digeridas, pedi uns chocos grelhados. Em menos de vinte minutos, foi-me disposta uma travessinha com dois chocos sem tinta, tamanho de um punho de homem, impecavelmente grelhados e almofadados por uma salada fresca de tomate cebola e alface. Ao canto da travessa esperavam a deglutição três meias batatas cozidas, no ponto, nem cruas, nem desfeitas. Trazido o galheteiro, temperei os chocos com um azeite que dizia qualquer coisa, virgem, com um gosto que me permitiria adivinhar-lhe o passaporte fosse onde fosse, um vinagre de vinho natural, longe das modernices balsâmicas dos vinagres que pululam por aí, e degustei dois exemplares fabulosos de cefalópodes do nosso Atlântico. Sabiam a mar da Ericeira, a textura era inimitável e só de olhar para eles, loiros e cheirosos a maresia, o apetite aumentava. As batatas sabiam a terra da Lourinhã e disfarçavam a qualidade banal do tomate, da alface e da cebola, obviamente colhidos numa qualquer estufa do oeste onde os legumes crescem cada vez mais depressa e sabem cada vez a menos seja o que for.

Uma opípara refeição. E, todavia, todos os ingredientes eram triviais e sem grandes artes gastronómicas. No fundo, um grelhado e um cozido, pedindo meças a um qualquer prato sofisticado de haute-cuisine.

No fim, um arroz doce impecável de textura, gosto e aparência, rematou o repasto. E pensei que realmente deve haver uma qualquer razão para que nos gabemos de ter o melhor peixe do mundo e, ainda, em alguns lugares, os melhores legumes do mundo. Já comi choco em muitas partes do globo, até calamari steak já comi num restaurante de luxo em Rosebank (um subúrbio posh de Joanesburgo) e batatas, não dá sequer para enumerar. Mas degustar dois chocos como degustei hoje, acompanhados por tão virtuosas solanáceas é uma bênção dos céus que deve ter caído neste pedaço do planeta, que nós nos esforçamos tanto por estragar.

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terça-feira, abril 01, 2014

Os «Galambas» do nosso descontentamento – trágico



[5107]

A lógica interna do keynogalambismo é esta: 1) pedimos dinheiro, porque precisamos de nos endividar; 2) não pagamos esse dinheiro, porque nos endividámos; 3) protestamos, por não nos deixarem endividar mais. 

Ler tudo (João Miguel Tavares, no Público), aqui.

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