domingo, julho 28, 2013

Sebastião come nada, nada, nada


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História trágico gastro sentimental do Sebastião

1ºdia

Sebastião sentiu-se pesadão, não gostou do que viu ao espelho, pesou-se e a balança acusou uns obscenos 86,5 kg. Disparadas as campainhas de alarme, calçou uns ténis e aí vai ele, correndo e caminhando durante quatro sólidos quilómetros, zangado consigo, zangado com a vida, zangado com a dieta mediterrânica.

Durante uma semana inteirinha, o Sebastião comeu atum, escalopes grelhados com salada de agrião, postas de peixe grelhado com bróculos a saber a trapos, cenouras a saber a fenolftaleina, fruta, hectolitros de água e diariamente sacolejava os tecidos adiposos, os músculos e os ossos em caminhadas e corridinhas, concentrado e determinado.

Ao fim da semana, pesou-se e a balança acusou 86,2 kg.

2ªsemana

Sebastião questionou-se sobre como é que uma semana de tamanhos sacrifícios, como a transacta, só lhe havia dado um bónus de 300 gramas. Mas achou que era mesmo assim, que Roma e Pavia não se fizeram num dia e optou pela perseverança. Durante mais uma semana seguiu exactamente o mesmo programa alimentar e de exercício, o estômago emitindo já lancinantes roncos de fome ao deitar e os músculos e articulações cada vez mais recalcitrantes. Ao fim da segunda semana, a balança acusou 85,4 kg.

3ªsemana

Sebastião achou que os resultados não eram ainda espectaculares mas, que diabo, sempre tinha perdido 1.100 g em duas semanas e, perseverante, continuou o sistema. Começou a sentir-se mentalmente embotado e com receio de estar entrando num gradual processo de estupidificação, mas continuou. Ao fim da semana a balança acusou 85,2 kg. Hum…apenas duzentos gramas de perda nesta semana, mas lembrou-se que numa refeição qualquer esqueceu-se e açucarou o café com uma miserável colherzinha de açúcar. É, talvez fosse isso, de resto, no total já tinha perdido 1,3 kg.

4ª, 5ª e 6ªsemanas

O mesmo programa, o mesmo cansaço, as meninges cada vez mais preguiçosas, os músculos cada vez mais comparados aos bifes de antigamente que a avozinha dele batia com um martelo de madeira antes de os fritar. A balança, ao fim da 6ª semana acusava então 84,5 kg. Sebastião achou que a perda de 2 kg era uma conquista razoável, apesar da tortura diária das corridas, da comida insípida e de o espelho não lhe mostrar melhorias por aí além, aquela curvinha de prosperidade relevando a partir do abdómen, por ali abaixo até regiões onde os homens acham que o único sítio onde o volume pode aumentar não vem a propósito nem é para aqui chamado. No fim da semana, Sebastião achou que seis semanas de sacrifício faziam-no merecer um prémio. Passou numa pastelaria fina com amigos, fez cara de inocente e comeu um quindim.

Sebastião falou nesse dia com a namorada pelo skype. Pela conversa e vindo de nada, perguntou:

- Olha uma coisa, achas que estou mais magro, mais gordo ou na mesma?

Ela accionou aquele olho clínico que as mulheres têm e que lhes permite a visão prescrutante  que todas elas adquiriram em Krypton noutra vida qualquer (é impossível que as mulheres não tenham tido vidas anteriores, porque cada vez mais refinadas…) e respondeu laconicamente:

- Hum…não sei bem. Talvez estejas ligeiramente mais gordo. Mas não mais que um quilo.

Sebastião não acreditou. Achou que era do skype que deforma as imagens.

1ºdia do resto da vida do Sebastião

Levantou­-se, foi à balança que acusou 86,5 kg. Como dantes, quartel-general em Abrantes. Tudo aquilo lhe pareceu estranho. A única asneira que recordava era um minúsculo quindim. Que não deve pesar mais do que 50 g. Como é que os 2 kg vieram de volta?

Fez a barba, ignorou o espelho, olhou com desprezo para a balança, meteu-se no duche. Seguidamente parou na pastelaria perto de casa e pediu uma bica dupla e um magnífico croissant folhado com fiambre e manteiga. Ao almoço sentou-se no local do costume e viu o menu. Como pratos do dia havia entrecosto no forno com batatinhas assadas e arroz do assado, favas com entrecosto e enchidos ou «dobradinha» com feijão branco.

Mandou vir o entrecosto com as batatinhas no forno.
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