sábado, janeiro 05, 2013

Os utentes, meu Deus, os utentes!


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Numa das frequentes tempestades tropicais que assolam o Índico, fui solicitado para ir com o meu barco salvar popuação presa nas copas de árvores e pontos mais elevados do leito do rio Maputo. Lá fui eu, juntamente com outros barcos e salvei um punhado de gente. 

Uns dias mais tarde, numa pequena mas simpática cerimónia no Clube Naval de Maputo, recebi um diploma de honra, um discurso de agradecimento do Secretário Nacional do Departamento das Calamidades Naturais e um prémio. O prémio tocou-me sensivelmente. Tratava-se de um cartão de cigarros Nilos, uma lata de cera, uma capulana e um saco de plástico com cerca de 3 kg de amendoim e dois pacotes de quilo de açúcar. Tudo coisas de produção local e, assim, carregadas de simbolismo.

Naturalmente, ao microfone, anunciei que oferecia o meu prémio às famílias necessitadas e vítimas da tempestade. Aqui começou o calvário. Era o tempo de Samora e daquela asfixiante burocracia do poder popular e isso significava que para ofertar o meu prémio eu tinha de seguir as vias legais. E essas eram dirigir-me ao grupo dinamizador do meu bairro (Sommershield), onde me informaram que tinha de ir primeiro à Comissão de Moradores. Aqui, percebi de imediato que não faziam a mínima ideia de como proceder, até me mandarem de novo ao Grupo Dinamizador que, entretanto, me aconselhou a dirigir-me à esquadra das embaixadas. Após meia dúzia de visitas a este tipo de invenções socialistas, desisti e dei as coisas ao Alexandre, meu empregado doméstico que apreciou imenso a dádiva.

Isto vem a propósito de quê? Vem a propósito que, de repente, me dei conta de que neste país existe também uma série de agremiações/ associações/comissões que eu nem sei bem para que servem ou quem suporta financeiramente. São as célebres comissões de utentes. Das autoestradas, dos hospitais, dos transportes e, quem sabe, dos urinóis públicos, se ainda existirem. Uma reminescência clara do tal grupo dinamizador onde eu quis deixar uma saco de amendoim, cera, cigarros e uma capulana, um escritório com gente lá dentro, secretárias e máquinas de escrever e onde ninguém me soube dizer o que fazer com os amendoins. Salvo sugerir que os deixasse lá, o que, de imediato, me fez suspeitar que jamais chegariam ao destino. Pois ontem descobri a cereja do bolo. Para além das comissões de utentes disto e daquilo, existe uma comissão de utentes. Tout court. Não sei se com competência tutelar sobre as comissões específicas ou se apenas uma comissão de utentes nem eles sabem bem de quê. Mas que servem, pelo menos, para ser entrevistados pela SIC Notícias, isso servem.
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