sexta-feira, março 23, 2012

Os meus carros (3) BMW 1800

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Nova Lisboa era uma cidade queque. No falar, no comer, no trajar. Havia grupinhos também. Onde, em festas pretensiosas se falava com desdém de Benguela (com um cinema chamado «Kalunga» e um hotel chamado «Mombaka», aquilo era lá nome que se dissesse, ao pé do chiquérrimo «Ruacaná» que tanto dava para o cinema como para o hotel…), com piedosa benevolência sobre a matrecolândia dos camundongos, luandenses, que viviam sob um odioso clima tropical, suados e catingosos e que não tinham nada mais para fazer se não ir ver um filme ao Miramar ao Sábado à noite, beber uma imperial na esplanada do Arcádia depois do cinema, saltar para o Pim’s beber um cocktail, ir dançar ao Kalhambeque e acabar a noite numa rebita do Kussunguila e, por vezes, acordar até nas areias da praia ali mesmo em frente, uma estucha aquela Luanda, tudo gente farrista vivendo numa cidade infecta, nada como a asséptica, bonita, interessante e interessada Nova Lisboa. Ou se falava ainda, com displicência e tolerância, daquela espécie de tribo de uma espécie rural que vivia para lá do Chinguar, muitos deles numa cidadezeca que dava pelo nome de Silva Porto e de que nada se sabia a não ser que nem corridas de automóveis tinha. Malange, Sá da Bandeira, Moçâmedes e Carmona ou eram demasiado longe ou demasiadamente simplórias para que se falasse nelas.

Nova Lisboa tinha duas facções principais. Os que gostavam da Ancotel e, naturalmente, conduziam Ford Taunus ou Lancias e os que gostavam da Universal, dos Mota Veigas, que eram agentes da BMW. E é numa conversa numa festa em que eu, meio lamuriento, digo que o Autobianchi depois do acidente nunca mais foi carro, que o João Cleto me diz para passar lá no stand que a gente depois conversava. No dia seguinte eu olhava extasiado para um BMW 1800 novinho em folha, reluzente e com aquela chispa que só os BMW’s tinham, excepto para os amigos da Ancotel que gostavam mais dos Taunus e da Lancia.

O carro era formidável. Cor cinza (perdão, Bristol), faiscava de brilho. O interior era opulento, com enormes bancos, um volante clássico, mostradores de design alemão e, deuses (!!!), um conta-rotações, afinal uma coisa com que eu sonhava desde o meu velho mini. Foi-me ainda dito que só tinham chegado dois carros daqueles e que eram já um modelo com pequenas diferenças. E é aí que eu reparo que a grelha em vez de ser inteiramente cromada tinha dois frisos pintados a preto fosco (o toque desportivo) e, cereja em cima do bolo, o emblema 1800 vinha agora colocado no lado direito do painel traseiro enquanto que nos modelos anteriores vinha do lado esquerdo. Frisos pretos e emblema do lado direito! Duas marcantes diferenças para aqueles que, nas festas, olhassem para o carro e percebessem, assim, que aquele era o último modelo.

Durou pouco este carro. Numa viagem de Luanda para Camabatela, o bujão do diferencial saltou… a valvulina vazou… e os satélites, planetários, roda de coroa, enfim, todo o miolo, desapareceu. O percalço ficou a dever-se à companhia de Caçadores número não sei das quantas onde o meu irmão (que era lá alferes) me tinha mandado mudar os óleos. E o «nosso pronto», por óleos, achou que o do diferencial também era para mudar. Ter-se-á esquecido de apertar bem o bujão.

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1 Comments:

At 12:22 da manhã, Anonymous Anónimo disse...

"muitos deles numa cidadezeca que dava pelo nome de Silva Porto"...tssss...tssss...tssss...há certos assuntos que é melhor serem discutidos ao vivo e a cores...me aguarde Mr neo-alfacinha.:)))*

 

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