sábado, março 31, 2012

Os meus carros (5) NSU TT

[4609]

Corria o ano de 1971. Reintegrado em Nova Lisboa depois de uma passagem profissional efémera pelo Uíge, deslocava-me numa frugal Renault 4 em serviço. Com ela percorri o Huambo e Bié, mas principalmente o Bié e não havia «bicanjo» ou picada que me impedissem de chegar onde precisava. A Renault 4 foi a precursora de uma longa galeria de viaturas de serviço que tive até hoje.

As necessidades da casa repartiam-se, assim, pela 4L e pelo velho Simca. Mas um dia deu-se o inesperado. Sou literalmente arrastado para ocupar o lugar do Emídio Poiares (um amigo precocemente falecido em Espanha) na prova de Nova Lisboa do Troféu Taki-Talá, um troféu de velocidade que corria muitas cidades de Angola, patrocinado pela Joframa, agente da NSU. Eram 12 carros rigorosamente iguais, incluindo a cor laranja e era muito competitivo. Andei pelo meio do pelotão (as sensações de vestir um fato de competição e o capacete ficam para outra altura, porque só isso daria um post) e acabei ingloriamente nas boxes com um pneu traseiro furado.

Duas semanas depois, havia uma perícia no Chinguar, (uma vila simpática onde eu passava todos as semanas em trabalho e onde, por vezes, parava para comprar morangos) e convidam-me para participar, de novo num daqueles reluzentes e alaranjados bólidos. Descubro então que não tinha carta desportiva. Coisa que se resolveu rapidamente com um atestado médico e a ajuda de um amigo no A.T.C.A. Rumei ao Chinguar e, sem perceber bem como, arranquei o primeiro lugar da geral. No fim, taça, muita cerveja, muitos vivas, e o regresso a Nova Lisboa na frágil 4L.

Depois «disto» não demorou muito para que eu comprasse um reluzente NSU TT prateado e em tudo semelhante ao que aparece aqui na foto em baixo, com que o Ernesto Neves participou no Rali de Portugal), incluindo os «zingarelhos» para impedir que o capô se abrisse e aqueles vistosos e úteis «faróis de longo alcance», como se dizia.


O pequeno bólido era fabuloso, um motor transversal traseiro de 1.200 c.c., dois carburadores, (o TTS tinha quatro, um por cilindro) e um vertiginoso arranque dos 0 aos 100 em 10,5 segundos, ainda que a velocidade de ponta dificilmente ultrapassasse os 140 km/h. De condução exigente (muitas vezes corri com uma saco de 50 kg de areia na bagageira frontal para evitar que nas curvas o carro seguisse em frente…), conduzir aquela pequena maravilha, para quem gosta de automóveis, era uma coisa dos deuses. Saboreei aquele carro com deleite e fiz imensos ralis, numa época (1972) que culminou com um fantástico 3º lugar da geral e primeiro na classe, com o meu querido amigo Zé Tó Miranda que foi meu «pendura» durante todas as provas da época, no Rali do BCA, à altura o segundo mais importante rali africano, a seguir ao Rali do Quénia.

O TT faleceu ingloriamente nos fins de 72, à saída da Cela, quando uma vaca se atravessou inesperadamente na estrada e com que choquei fragorosamente. A vaca foi projectada, caiu, mugiu, levantou-se e fugiu. O TT faleceu. Não tinha ponta por onde se lhe pagasse. Recebi um cheque do dono da vaca (uma hora depois, com um pedido de desculpa) e nunca mais vi o pequeno bólido que tantas alegrias e descargas de adrenalina me deu. Nem a vaca.
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O conforto do acompanhamento psicológico

[4608]

Antes de eu perceber bem o que se passara com o jovem que caiu de uma varanda em Llorett de Mar, já eu lia por tudo o que era jornal, ou ouvia pelas várias televisões, que os colegas e familiares do infeliz estudante já estavam a receber acompanhamento psicológico.

Numa sociedade oficialmente declarada doentinha e carecida dos cuidados de um big father a quem devemos permanecer atentos, veneradores e obrigados, esta ladainha do acompanhamento psicológico vulgarizou-se ao ponto de parecer que se alguém dá um espirro algures, do Estado salta um batalhão de psicólogos, sociólogos, psicanalistas, assistentes sociais, assistentes, coadjuvantes e outros funcionários para nos acompanhar com competência. A coisa adquire contornos graves quando muita gente acorda de manhã a pensar que têm de acompanhar crianças deprimidas, como neste caso, aqui referido pela Helena Matos.

É evidente que não se discute a necessidade do acompanhamento psicológico em certas situações de grande dramatismo, mas muitas vezes, se em vez de acompanhamento psicológico a posteriori se promovesse o acompanhamento preventivo a muitas situações causadoras de tragédias, fazer-se-ia muito melhor figura. Talvez alguns psicólogos fossem para o desemprego, mas se calhar morria menos gente e não se balizava a psique nacional pelo conforto de sabermos que nos pode morrer alguém por incúria de um qualquer responsável por qualquer coisa mas, graças a Deus, a seguir somos psicologicamente acompanhados.
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É por estas e por outras...

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[4607]

A situação abaixo descrita por uma senhora que não conheço e que com a devida vénia cito e transcrevo na íntegra, é bem reveladora. Não sei bem qual seria a opção para ressarcir o lesado…não haveria maneira de lhe dar um salvo-conduto para uma portagem gratuita na Vasco da Gama? Um gesto de simpatia e, certamente, mais barata que a emissão do cheque. É por estas e por outras…


«Situação no mínimo caricata...senão vejamos...
Um dia deste ao passar na portagem em Benavente e após efectuar o pagamento da mm a máquina não devolveu a quantia de 0.20 cêntimos de troco ao meu marido...ele reclamou...e eles disseram k dp diriam alguma coisa...
Passado umas semaninhas, e um dia da semana passada, recebemos uma carta a dizer k a Brisa assumia a responsabilidade e ele iria ser ressarcido do valor em falta...e não é k na passada 2feira recebemos uma outra carta...desta vez com o respectivo pagamento...um cheque de "zero euros e vinte cêntimos"...
já viram bem a despesa k a Brisa teve em envio de cartas, e na emissão do cheque deste valor irrisório...
Sabem kem é k paga esta merda desta burocracia toda não sabem?
Enfim...é a merda de pais k temos...
Eu até tenho VERGONHA de ir depositar este cheque no banco...
Acho k vou emoldura-lo e guarda-lo para a posteridade...
É o melhor a fazer não acham?
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sexta-feira, março 30, 2012

Carteiristas, pilha-galinhas, larápios… a redenção está aí, à mão de semear

[4606]

Às vezes apetece-me pegar em meia dúzia de fotos como esta (obtida há um dia em Barcelona durante a greve geral), fazer um álbum bonito e iniciar uma meritória campanha de boas acções. Percorrer as ruas da baixa lisboeta, detectar grupos de carteiristas, larápios de fruta nos supermercados, pilha-galinhas em geral e manifestar-lhes a minha solidariedade pela injustiça gritante de frequentemente serem presos e levados a juízo por terem roubado uma carteira, partido um vidro de uma carro qualquer para levar o rádio ou roubar um polvo num supermercado, muitas vezes impelidos pela necessidade. E explicar-lhes que tudo o que têm a fazer é aguardar pelos dias apropriados, como greves gerais, manifestações, marchas, cordões humanos e correlativos, para poderem partir e roubar à vontade. Terão, pelo menos, a consolação de não serem presos e se por caso levarem uma bastonada perdida, terão sempre um idiota útil (ou mesmo cretinos inúteis…) a explicar que a polícia actuou sem proporcionalidade. Para além da comunicação social, como é óbvio.

O pilha-galinhas não saberá o que é proporcionalidade, mas posso garantir-lhe que o que os tais idiotas úteis dizem na rádio é de cariz redentor para a sua imagem e sempre lhes levará algum conforto e segurança para acções futuras.
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Chuva!

[4605]

Num país de DNA claramente «alagartado» (entenda-se animais de sangue frio que precisam de se expor ao sol para aquecer o sangue e a alma, nada a ver com futebol) a chuva está aí.

Quando os incêndios se instalavam já, arrogantes, facilitando hilariantes apontamentos de reportagem em directo de chefes de bombeiros, defesa civil e autarcas, naquele linguajar de compêndio, quando as árvores de folha caduca se viam e desejavam para retirar da terra os nutrientes que haveriam de integrar a seiva até às folhinhas recém desabrochadas pela Primavera que parecia querer saltar directamente ao Verão, quando o gado ia comendo já a palha guardada para o próximo inverno, quando as barragens iam descendo de nível e quando os portugueses, alegres e contentes, iam já saltitando pelas praias, eis que a chuva apareceu. A chuva benfazeja que veio «regular» um bocado a coisa e restabelecer alguns equilíbrios.

Os portugueses hoje jogarão menos à bola nas praias, as rotundas de Carcavelos estarão mais transitáveis e eu ergo os olhos aos céus, numa prece silenciosa e quiçá envergonhada (preces comigo é tipo de ir ao dentista só quando me dói o dente o que é, absolutamente, um pecado e uma acção de relaxe perante o Divino). A «malta» continuará, outrossim, a conduzir as suas viaturas com o mesmo à-vontade e velocidade que usam em piso seco (aqui está uma coisa difícil impossível de explicar ao português, quando sentado ao volante – a de que os pneus perdem aderência em piso molhado) e as «traseiradas», hoje aumentarão, de certeza. E por entre gente de colete amarelo gesticulando e dizendo «você é que foi o culpado» e outra preenchendo (leva tempos infinitos aquilo), meticulosamente, as declarações amigáveis de acidente, preparemo-nos para mais um dia chuvoso.

Logo à noite, se ainda chover, as meninas das rádios anunciarão, com voz bisonha e quase chorando, que «amanhã continua o mau tempo». Se a chuva se for embora, elas iniciam o chilreado habitual (parece que estou a vê-las, felizes, a abanar a penugem em frente aos microfones) e dirão que amanhã o sol brilhará e o bom tempo vai regressar.
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quinta-feira, março 29, 2012

Shhhiiiuuuuuuu...

[4604]

Ontem ouvi Santana Lopes, Fernando Assis e Fernando Rosas na TVI24 e, pela conversa, acho que recentemente se tem instalado a ideia da necessidade absoluta de não se falar em Sócrates. De caminho, aproveita-se a deixa para tecer duras críticas ao PSD e ao Governo que não resistem, diz-se, a lançar farpas constantes ao anterior governo. Falar mal de Sócrates é prejudicial à imagem externa do nosso país, reflecte desunião, pode condicionar o BCE, o FMI, a Comissão Europeia, olhem o que está acontecer à Grécia de que só se fala nas próximas eleições, enfim, um rosário de observações carpidas, se falarmos na criatura só falta mesmo dizer que dá sarna, urticária ou herpes labial.

O Partido Socialista, particularmente, deveria ter um mínimo de pudor em integrar esta procissão e, mais, de se irar com a alegada contundência do governo e do PSD. Deveria o PS lembrar-se, um pouquinho só que fosse, da grosseira truculência de Sócrates em relação à oposição, da forma desabrida, ofensiva, com que referia os seus adversários políticos (e não só políticos, incluía no seu mau perder jornalistas, comentadores, manifestantes, organizações sindicais, tudo o que mexesse contra ele) e das sessões contínuas de comícios, congressos, discursos e entrevistas em que a criatura fugia claramente ao que se lhe perguntava e se entretinha a insultar toda a gente. Deveria ainda o Partido Socialista lembrar e introverter as circunstâncias factuais que indicam que Sócrates em pessoa e a sua entourage, atenta veneradora e obrigada, foram responsáveis pela precipitação deste país no caos e não apenas porque o deixou chegar a uma situação de pré insolvência (as pessoas esquecem-se que quando Sócrates caiu, parece que já não havia dinheiro para os salários do mês seguinte), mas também pela continuada acção do seu governo de amizades, compadrios, cumplicidades obscenas, maroscas, tramóias, envolvimentos suspeitos que desaguaram, inevitavelmente, na situação presente.

O Partido Socialista devia ter um pinguinho de vergonha e não se irritar tanto quando se fala do seu Grande Líder. Quanto ao PSD e ao Governo, podem deixar de bater no ceguinho, é verdade. Mas não é menos verdade que, às vezes, há que o recordar para que a memória não se esbata e se acabe por «lavar» um dos mais vergonhosos e perniciosos períodos de governação no pós 25 de Abril.
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quarta-feira, março 28, 2012

E vão 4

[4603]

A Dulce anda caladinha. Mas os maboques vão continuando o seu percurso, levando por esse mundo fora imagens tão simples quanto bonitas de Angola, duma época que em muitos se esbate já na saudade dos tempos perdidos, noutros já só existe por se ouvir falar. Há quem os conheça e lhe recorde os sabores e o toque, há os que nunca ouviram falar deles, comeram e gostaram. Todos juntos fazem com que a edição brasileira atinja já a 4ª edição. Um caso sério este «Sabor de Maboque».

Parabéns à Dulce.

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É preciso meter explicador?

[4602]

«Os portugueses adoram a modernidade e a ecologia. Na área da energia isso implica formas de produção não lucrativas. Os políticos, para os contentar, querem também ser modernos e ecológicos. Como as energias ecológicas não são rentáveis, os políticos têm que compensar os investidores com rendas».

Ler o post todo aqui.

Reside neste singelo período, uma das facetas mais trágicas da falência do Estado Social. A convergência entre o espírito pueril das populações no tratamento e na assimilação dos fenómenos sociais e a atitude de claques políticas sem escrúpulos, que, explorando a permeabilidade das populações e através de um eficaz discurso do politicamente correcto, estabelecem conúbios difusos com o sector empresarial e, através deles, obtêm resultados obscenos de enriquecimento pessoal, ao mesmo tempo que vão endividando o país e penhorando o futuro por muitas gerações.
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domingo, março 25, 2012

Os meus carros (4) - Symca 1501

[4601]

Os tempos iam maus. Três carros depois de eu ter tido o meu primeiro, via-me possuidor de um carro de luxo, ainda que com o diferencial gripado. Parei um bocadinho para pensar (coisa que nesta idade me dava uma incómoda dor de cabeça) e percebi que ainda devia metade do carro, tinha uma conta pesada para o conserto do diferencial e eu, acabado de sair da tropa, tinha um filho a gatinhar em casa, uma filha a caminho e era, ainda, funcionário público (assistente técnico de 2ª classe não sei quê não sei quantas… não é exagero, não me lembro mesmo, nesta altura a gente dizia baixinho que éramos funcionários públicos quando nos perguntavam a profissão, entretanto as coisas mudaram, como se sabe).

Um dia, numa manhã de pesca às tilápias numa barragem do Uíge, tropecei num enfermeiro simpático, pescador como eu e, enquanto cada um de nós puxava um peixe, percebi que o grande objectivo de vida daquele homem era ter um BMW. Devagarinho, com cuidado, expliquei-lhe que, por acaso, eu tinha um, quase novo, mas… e lá contei a história do diferencial. Saímos da pesca e levei-o a ver o carro. Lá estava ele na garagem de casa, lindo de morrer, luzidio e mostrei-lhe a conta da reparação, bem assim como uma carta do Agente, na qual se afirmava que o carro estava em rigoroso estado.

O enfermeiro tinha um Simca 1501 (!!!!!!). Eu tinha uma vaga ideia que havia Simcas mas juro que nunca tinha reparado em nenhum. O enfermeiro propunha então entregar-me o Simca e sessenta contos (exactamente o que me faltava ainda pagar) por troca com o BMW. Pensei (mais uma dor de cabeça incómoda, pensar, na casa dos vinte anos, pode ter efeitos colaterais graves), dei uma volta no Simca…tive uma sensação de ter estado a degustar uns canapés de caviar e, de repente, ter metido uma mão de tremoços à boca. Pensei outra vez (outra dor de cabeça…) e disse que sim.

Passei a ser um (in)feliz detentor de um Simca, mas sem dívidas. O carro tinha, a seu favor, o facto de ser amarelo-torrado, uma cor muito em voga nos anos setenta. A verdade é que continuei a ir a todo o lado, em razoável conforto. É certo que os queques das festas queques da queque Nova Lisboa deixaram de reparar na grelha pintada de preto fosco e no emblema 1800 do lado direito do painel traseiro, mas acabaram por se habituar. Houve até quem dissesse que o Simca era um excelente carro!...
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sábado, março 24, 2012

Martírio ocidentalizado

[4600]

Há alturas em que a nossa costelinha árabe aparece bem ao de cima das nossas idiossincrasias. O martírio parece ser um fenómeno bem à medida do que digo. E se noutras paragens o martírio se procura, se glorifica, e o mártir se despedaça motu próprio e acaba nos braços de não sei quantas virgens, aqui pela paróquia o martírio cai-nos no prato da sopa e glorificamo-lo entre as bastonadas da polícia. Digamos que este é um martírio que dói menos, mas rende muito mais. Já quanto às virgens, a coisa é mais complicada, a coisa aqui é mais polícia de um metro e noventa e botas cardadas. Mas também não se pode ter tudo.

Pelo meio fica o delírio da comunicação social, a verve inigualável da esquerda impoluta e as causas. Basta uma jovem frágil, bonitinha, de cabelos ao vento a ser «enxotada» pela polícia (ainda não consegui perceber se a mocinha apanhou a bastonada ou não) para surgirem os enxames de causas, muitos movimentos, muitos abaixo-assinados, petições e fúrias incontidas passados aos blogues, jornais, facebook e correlativos. E o martírio, ainda que ocidentalizado, instala-se.
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sexta-feira, março 23, 2012

Os meus carros (3) BMW 1800

[4599]

Nova Lisboa era uma cidade queque. No falar, no comer, no trajar. Havia grupinhos também. Onde, em festas pretensiosas se falava com desdém de Benguela (com um cinema chamado «Kalunga» e um hotel chamado «Mombaka», aquilo era lá nome que se dissesse, ao pé do chiquérrimo «Ruacaná» que tanto dava para o cinema como para o hotel…), com piedosa benevolência sobre a matrecolândia dos camundongos, luandenses, que viviam sob um odioso clima tropical, suados e catingosos e que não tinham nada mais para fazer se não ir ver um filme ao Miramar ao Sábado à noite, beber uma imperial na esplanada do Arcádia depois do cinema, saltar para o Pim’s beber um cocktail, ir dançar ao Kalhambeque e acabar a noite numa rebita do Kussunguila e, por vezes, acordar até nas areias da praia ali mesmo em frente, uma estucha aquela Luanda, tudo gente farrista vivendo numa cidade infecta, nada como a asséptica, bonita, interessante e interessada Nova Lisboa. Ou se falava ainda, com displicência e tolerância, daquela espécie de tribo de uma espécie rural que vivia para lá do Chinguar, muitos deles numa cidadezeca que dava pelo nome de Silva Porto e de que nada se sabia a não ser que nem corridas de automóveis tinha. Malange, Sá da Bandeira, Moçâmedes e Carmona ou eram demasiado longe ou demasiadamente simplórias para que se falasse nelas.

Nova Lisboa tinha duas facções principais. Os que gostavam da Ancotel e, naturalmente, conduziam Ford Taunus ou Lancias e os que gostavam da Universal, dos Mota Veigas, que eram agentes da BMW. E é numa conversa numa festa em que eu, meio lamuriento, digo que o Autobianchi depois do acidente nunca mais foi carro, que o João Cleto me diz para passar lá no stand que a gente depois conversava. No dia seguinte eu olhava extasiado para um BMW 1800 novinho em folha, reluzente e com aquela chispa que só os BMW’s tinham, excepto para os amigos da Ancotel que gostavam mais dos Taunus e da Lancia.

O carro era formidável. Cor cinza (perdão, Bristol), faiscava de brilho. O interior era opulento, com enormes bancos, um volante clássico, mostradores de design alemão e, deuses (!!!), um conta-rotações, afinal uma coisa com que eu sonhava desde o meu velho mini. Foi-me ainda dito que só tinham chegado dois carros daqueles e que eram já um modelo com pequenas diferenças. E é aí que eu reparo que a grelha em vez de ser inteiramente cromada tinha dois frisos pintados a preto fosco (o toque desportivo) e, cereja em cima do bolo, o emblema 1800 vinha agora colocado no lado direito do painel traseiro enquanto que nos modelos anteriores vinha do lado esquerdo. Frisos pretos e emblema do lado direito! Duas marcantes diferenças para aqueles que, nas festas, olhassem para o carro e percebessem, assim, que aquele era o último modelo.

Durou pouco este carro. Numa viagem de Luanda para Camabatela, o bujão do diferencial saltou… a valvulina vazou… e os satélites, planetários, roda de coroa, enfim, todo o miolo, desapareceu. O percalço ficou a dever-se à companhia de Caçadores número não sei das quantas onde o meu irmão (que era lá alferes) me tinha mandado mudar os óleos. E o «nosso pronto», por óleos, achou que o do diferencial também era para mudar. Ter-se-á esquecido de apertar bem o bujão.

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A crise ao serviço da esquerda

[4598]

A ladaínha é clara. Contínua, sufocante e patética. A greve não foi tão grande como se esperava porque os trabalhadores queriam muito ter aderido, mas a crise é tão grave que não podiam abdicar de um dia de salário e de subsídio de almoço.

E a comunicação solta a ladaínha, quase em regime de permanência, nos intervalos das agressões da polícia aos jornalistas (a foto da menina de cabelos longos anda a correr mundo).

Abençoada crise que até já serve para explicar porque é que as greves vão sendo cada vez mais pífias.
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quinta-feira, março 22, 2012

A doutrina do ódio

[4597]

Profundamente lamentável. O ódio, o arreganho, a intolerância, a deficiente formação, a estrutura instável de gente como este senhor Lavos que usa crianças assassinadas para se atirar à direita, a Sarkozy e a tudo o que mexe que não urre os gritos de guerra lá da claque a que ele faz jus. Apetece dizer bardamerda, como o outro!
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Mais uma corrida, mais uma viagem

[4596]

Mais uma greve geral. A vida das pessoas assenta numa dinâmica estranha em que um reduzido número de militantes a pode condicionar. Já nem se sabe bem os porquês da greve. Longe vão os tempos em elas se faziam na luta por melhores salários, regalias ou garantias. Hoje, consolidado que está esse desiderato ao nível de um grupo restrito de trabalhadores que o defende com unhas e dentes, as greves fazem-se por pura militância política por via de um qualquer Silva ou Arménio ou um displicente Proença, que facilmente manipulam aqueles que se sentem ameaçados na sua zona de conforto, como agora soe dizer-se, sem cuidarem de saber do calamitoso nível de desemprego no país ou, sequer, de pensarem por quanto tempo poderão usufruir das escandalosas benesses que foram acumulando durante a (criminosa) fantasia socialista em que temos vivendo.

As greves hoje não precisam de ter razões. Nem causas. A última de que me lembro era a de que queriam que uns quantos processos disciplinares na CP fossem pura e simplesmente destruídos. Jamais me passaria pela cabeça algum dia me sentir chantageado a este ponto. Hoje, sem causas, os grevistas limitam-se a justificar a greve pelo estado da crise em Portugal. E, inconscientes da dimensão dos problemas mas bem conscientes da sua importância (e conhece-se bem a matriz de um português consciente da sua importância, é vê-lo nas rotundas, atrás de um guichet de atendimento público, arrumando um carro em segunda linha ou administrador de um condomínio), o português faz greve e refocila-se no mundo irreal das suas idiossincrasias.
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A RTP diz que foi um erro

[4595]

Isto coloca-me duas questões. Uma, a de que eu gostaria de saber que o romântico autor do inquérito colocado na página da RTP teria sido sumariamente despedido, com direito a uma carta de recomendação para um emprego na Venezuela. Outra a de que em casos com esta alarvidade, a culpa não é só dos alarves. É de um provável jovem pimpão que, saído da faculdade, deixou correr a sua torrente idealista na direcção do estuário de cretinice em que todos parecemos navegar. Mas também do «caldo político» em que vivemos, em que, a par de uma verdadeira esquizofrenia (reportagens, notícias e factos ao minuto sobre as desgraças da crise), a nossa comunicação social se encontra inquinada por um complexo a que alguns continuam a apelidar de esquerda mas que, no meu entender, se converteu já numa demonstração de idiotia militante e num impulso pueril de subir à ribalta, entenda-se, comentador, analista, ou «paineleiro» de um dos vários programas de opinião que enxameiam os nossos monitores.
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quarta-feira, março 21, 2012

Ininteligibilidade!

[4594]

Pior que socialistas a falar da crise só mesmo os portistas a falar dos árbitros. Ontem vi um jogo de futebol, ganho sem espinhas pelo Benfica que sofreu dois golos esquisitos e acertou na barra portista por três vezes mas que, mesmo assim, conseguiu jogar o suficiente para marcar três golos. Acresce que o jogo decorreu sem casos de arbitragem, nada de especial aconteceu, sobretudo nada que recordasse o jogo esquisitíssimo entre o Benfica e o Porto há umas semanas atrás.

No fim oiço um jovem treinador (parece boa pessoa, mas acontece que quando os treinadores vão para o Porto se tornam insuportáveis, inconsequentes e quase idiotas, lembremo-nos o que aconteceu com Jesualdo Ferreira) a falar de bloqueios, de obstruções, de uma série de contingências que, a não serem elas, teriam permitido ao Porto ganhar o jogo. Tudo isto num linguajar estranho em que paira sempre a suspeição de que lhes estão a roubar a carteira, ou a lamúria tipo «o neto bateu na avó».

Esta gente ainda não percebeu que está a matar a galinha dos ovos de ouro. Um dia destes quando derem por ela, a assistência resumir-se-á aqueles grupos folclóricos e mais ou menos guerreiros, guiados como gado por cordões policiais. Porque a maioria das pessoas que até gosta de futebol acaba por se cansar e achar que não vale perder tempo com aquela fantochada.
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Ai que vou para «pousio» outra vez...

[4593]

E começo mal. Dá-me vontade logo de ir para pousio outra vez. Eu já tinha tido um lamiré a ouvir, com a insistência daquele ribombar ecoado das trovoadas distantes, o anúncio de mais uma saga de Mário Soares. Soares isto, Soares aquilo, Soares aqueloutro. Tudo muito revolucionário, muito a preto e branco, muito Maria Barroso jovem e bonita, muito abrilino, muito Pide, muito… idiota. São doses maciças de Soares, uma personagem que me faz estremecer inquieto, por não perceber de onde vem esta veneração por uma figura política de perfil duvidoso e uma figura humana que, com frequência, se revelou um tiranete sombreado pelas delícias da liberdade e da democracia (coisas das quais ele me parece ter uma visão mais ou menos distorcida) e um incorrigível vaidoso.

Agora passo os olhos pela página da RTP e esbarro com um inquérito onde se pergunta aos portugueses (sic) « Acha que, se a situação se degradar, as Forças Armadas deveriam levar a cabo uma operação militar para derrubar o Governo, como sugere Otelo Saraiva de Carvalho? » Esfrego os olhos, incrédulo e concluo que é absolutamente imoral que uma porção do meu salário sirva para dar de comer a um grupelho idiota que se entretém a arejar as suas idiossincrasias à minha custa e de todos os portugueses que lhe vão pagando o bife e a reforma. Esta gente, seja lá quem for que é responsável por esta cretinice estampada na página da RTP, envergonharia até a América Latina de hoje. Porque vivem ainda na América Latina do General Tapioca e hoje é diferente e eles não devem ter dado por isso. Deviam ir abrir RTP’s para a Venezuela ou para a Bolívia, E não chatearem nem envergonharem quem está.

Curiosamente, pode ler-se ainda uma notícia sobre os estaleiros de Viana de Castelo. Se estivermos distraídos a ler a notícia ainda ficamos com a impressão que o Governo se prepara para destruir o que resta dos estaleiros, privatizando-os. Era preciso lembrar estas luminárias da RTP que a destruição aconteceu exactamente pela oposta, quando os estaleiros foram nacionalizados. E deveria haver alguém, também, que explicasse isto aos trabalhadores e aos sindicatos que estão com um medo terrível da privatização.

Ai que vou para pousio outra vez…
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Becagueine

[4592]

De volta ao blogue. Aconteceram tantas e tantas coisas nesta semana (a tal que eu anunciei de descanso das meninges) que se eu as contasse ficava cansado outra vez. Que me lembre, nunca o «Espumadamente» esteve uma semana inteirinha sem dar sinal de vida, e já vão quase oito anos, mesmo quando viajo. Desta vez, foi. Porque estava cansado, porque aconteceram muitas coisas, porque sim. E, sabe-se, a grande glória dos blogues é fazermos o que nos apetece e não ter que dar nota a ninguém.

Falta dizer que tive saudade e que me fez falta a leitura dos blogues que leio habitualmente. Mas tenho a certeza que vou «ketchup» rapidamente.
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terça-feira, março 13, 2012

Pousio

[4591]

Às vezes, é preciso. Um pousio sereno para repor os níveis da microbiologia. Permitir a humificação das meninges e o arejamento das sinapses e abrir as portas a uma hermenêutica que, de uma vez por todas, nos faça parecer mais simples tudo o que cada vez nos parece mais complicado. É necessário ainda esmaecer os neurónios do sistema nervoso somático e proporcionar o relaxe das acções motoras, induzindo (alavancando, como soe dizer-se agora) a psique ao relaxamento total.

Por outras palavras, em português chão. Pousio coisa nenhuma. Uma sorna à maneira, deixar passar uns dias (sobretudo a ver se se calam com o «Roteiros» de Cavaco e a demissão do Secretário de Estado da Economia e, já agora, como o alargamento da Liga) e voltar ao blogue daqui por uns dias, que se espera sejam poucos mas bem aproveitados.
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domingo, março 11, 2012

África terra bruta...

Clicar na foto para ver melhor
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Tem mais! Aqui está uma foto (também do Joni) que só pode ter sido tirada de manhã. E do mesmo local da foto do post anterior. Porque o sol nasce no mar, porque vezes sem conta me fiz ao mar de madrugada e, para chegar direitinho ao Baixo Danae, cenário de grandes pescarias, da Great Barracuda, do Wahoo, dos grandes tunídeos (Yellow fin, Dente de cão, Albacora, Kawa-Kawa), do Dourado, do Serra, da Queen-fish, do Xaréu, que saudade!) bastava apontar a proa ao sol ou, mesmo antes dele nascer, ao halo de luz que anunciava a aurora.

No caso desta foto, percebe-se que o sol já nasceu, que o céu está bem pesado na cidade mas que as nuvens, com deferência, abriram um espaço para ele passar e iluminar, quem sabe, o pessoal a sair do Naval e dar-lhes um sinal que o tempo mais tarde vai melhorar.

Em todo o caso, esta foto representa bem o que com alguma insistência vou dizendo por aqui: - «África, terra bruta, que até à papaia lhe chamam de fruta…»
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A magia do Índico



Clicar na foto para ver melhor

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Às vezes a luz e a imagem calam os poetas, ou os simples palradores ou modestos escribas como eu, que acham que conseguem descrever as coisas com propriedade.

Este é o cenário que me siderou, acabadinho de chegar a Maputo para um contrato de 2 anos, que se estendeu por quase dezanove. Esta foto, do Joni Schwalbach que, com simpatia, me autorizou a usar aqui, só pode ser tirada do chamado «prédio da TVE», porque reconheci cada centímetro do cenário (menos a grua em frente ao Polana), cada luzinha e, já agora, o esplendor do Índico, oceano de tanta calma e rebeldia, que tanto nos proporciona cenários desta magnitude e nos convida a mergulhar para lhe visitarmos as entranhas magníficas, quiçá únicas nos seus corais e na sua fabulosa fauna, como nos fustiga com ventos de 30 e 40 nós revolvendo vagas alterosas e branquíssimas de espuma. E a lua, pois! Eu sei que Lua, só há uma. A nossa e mais nenhuma. Mas tem de haver uma qualquer razão muito poderosa, um inominável feixe de energia, uma combinação divina ou um simples capricho dos deuses para no-la expor com esta magnificência e magia, espelhada no mar, privilegiando Maputo, provavelmente a mais bela cidade que conheci em África.

Antes de me mudar para a Kim Il Sung (obrigado Ana David, pela gentileza), vivi neste prédio, no 13 º andar. A sala não tinha janelas e não vale a pena explicar porquê, se as paredes viradas ao mar eram extensas vidraças por onde de manhã nos entrava o sol (sim, aqui o sol nasce no mar…) e à noite nos convidava a sentar na varanda sorvendo este cenário magnífico.

Se dúvidas houvesse sobre a existência de paixões à primeira vista, bastaria morar uns meses num apartamento como este para que jamais duvidássemos dessa ideia. E por muitos anos que se viva em Maputo, jamais este cenário se dilui na memória, pelo contrário, entranha-se em nós e condena-nos a revivê-lo e acompanha-nos bem perto do coração, por muitos anos que vivamos, por muitos locais diferentes por que passemos.
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sábado, março 10, 2012

Deixem lá dar ração às vaquinhas...

Cachorro biológico. Recusa-se a comer ração. Só come ossos. Mas, razoavelmente, não se importa se é osso de vaca biológica

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Assunção Cristas vai pedir a Bruxelas para que possamos dar ração às vacas biológicas. Esta notícia ilustra bem a hipocrisia que tem rodeado o fragor à volta da chamada agro-pecuária biológica. Mães conscienciosas e paladinos do politicamente correcto percorrem dezenas ou centenas de quilómetros para comprar um nabo, uma cenoura ou um cestinho de morangos isentos de nitratos (uma coisa que qualquer ecologista traz na ponta da língua, mas poucos saberão exactamente o que seja ou que mal fazem).

Ocorre-me uma banca de produtos biológicos aqui ao pé de mim, na Casa da Guia, aos Domingos, onde normalmente se aglomeram grupos de senhoras conscienciosas e correctas para comprar produtos bacteriologicamente puros… como ouvi no domingo passado e sem que ninguém lhes explique que é porque os produtos são possivelmente portadores de bactérias e/ou doenças criptogâmicas que não são bacteriologicamente puros coisa nenhuma, já que não sofreram tratamento químico. Falta dizer que a maioria dos produtos expostos são enfezados, raquíticos, razoavelmente disformes e super caros. E ocorre-me ainda aqueles que fazem dezenas ou centenas de quilómetros, poluindo a atmosfera, para comprar um pepino marreco, mas saudavelmente isento de nitratos.

Havia tanto para dizer sobre a agro-pecuária biológica…mas talvez baste as pessoas perceberem que sem o elevado padrão atingido na eficácia e reduzido grau de toxicidade de muitas das moléculas de síntese hoje disponíveis no mercado, milhões morreriam de fome no mundo.

Voltando a Assunção Cristas, acho bem que alguém lhe tenha dito que se poderia e deveria dar ração aos biológicos animais que nos dão carne, leite, ovos, manteiga, iogurtes, queijo, requeijão, salsichas, bife com ovo a cavalo, presuntos, paios, fiambres, chourição e outras mariquices que o nosso conforto e padrão de vida inventaram. E se um ou outro destes produtos vierem com um bocadinho de vitaminas a mais ou vacinas a menos, a gente perdoa, em face da seca que atravessamos. E rezemos para que um qualquer comissário de uma qualquer comissão em Bruxelas, não seja alérgico à lactose nem zelota encartado e, em função disso, menos sensível à magna questão de se poder dar ração aos animais.
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sexta-feira, março 09, 2012

Os meus carros (2) Autobianchi Primula



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Depois deste, tive este, reproduzido lá em cima. Verde azeitona metalizado, o bólide luzia no stand, mais por ser novo, «zero km», como dizem os brasileiros do que pelo gabarito do carro. No fundo, era um vulgar Fiat 1200 c.c. mas ostentando o sonante nome de Autobianchi, um fabricante entretanto comprado pela Fiat. O nome do modelo já não impressionava tanto… «Primula», assim se chamava ele. Vim a saber que era o nome de uma flor, família das primuláceas, o que tornou o carro mais «abichanado», que era uma coisa que se podia pensar na altura sem risco de sermos política e socialmente excomungados. Com optimismo, admiti que muito pouca gente saberia o significado de Primula, pelo que quando me perguntavam que carro é que eu tinha eu podia sempre dizer que era um Autobianchi, «tout court», sempre cheirava a técnica, a «racing» a «sportif»… enfim tinha uma sonoridade diferente.

Tinha acabado de me nascer um filho e com algum pesar percebi que colocar e tirar uma alcofa de bebé num Mini era uma tarefa só comparável à desmontagem de uma roda de coroa de um relógio suíço, pelo que as quatros portas do Autobianchi e o facto de o agente em Nova Lisboa ser meu amigo pessoal (pagamento tipo nada à vista, um tanto por mês e depois uma letra enorme para o fim, reformável, que era uma coisa que dantes existia, inventada pelos bancos, muito antes de se instalar a ideia de que os bancos e o seu apelo ao consumismo eram os responsáveis directos por estarmos todos tesos e endividados.

Circular com o carro «0 km» não deixava de ser esfuziante. Ainda não tinham filmado o «When Harry met Sally», portanto eu ainda não conhecia o orgasmo da Meg Ryan num restaurante, mas tenho de confessar que percorrer as ruas de Nova Lisboa num Autobianchi verde metalizado, novo e ainda por cima uma marca/novidade era uma experiência marcante e a «atirar» assim para a célebre cena idealizada pelo Bob Reiner.

O carro durou pouco. Com seis meses de uso, o Sr. Esperança, dono da estação de serviço da Mobil ao cimo da 5 de Outubro, onde eu deixara o carro a lavar, bateu-me à porta dizendo que o sr… não me ocorre o nome, um fotógrafo na Chianga, distraiu-se, travou tarde, bateu-me no carro que estava na box a mudar o óleo, o carro foi batido por trás, foi empurrado para a frente e o resultado foi uma monumental amolgadela atrás e à frente. Ainda não havia declarações amigáveis… mas o facto de eu estar a almoçar e do tal fotógrafo da Chianga ser o mesmo a quem eu iria dar o trabalho da revelação das fotos do meu relatório de fim de curso, ajudou a resolver a questão, sem mortos nem feridos.

Carro arranjado, deu para mais dois meses. Numa viagem entre Caconda e a Chicuma, numa estrada boa, mas de saibro, perdi o contacto do terreno, o «grip» como se diz hoje. Muitas voltas ao volante, muito pó, muita confusão, dou comigo dentro do carro sentado no tejadilho e a apanhar um banho de gasolina. Percebi que o carro estava de pernas para o ar. Um segundo e meio mais tarde lembrei-me que a gasolina ardia…e é aí que eu me esgueiro para o exterior por uma das janelas, rezando um Pai Nosso em voz alta.

Sentado na berma da estrada, quedei-me a olhar para o Autobianchi Primula 0 km, verde azeitona, de quatro portas, à espera que aquilo fizesse PUM. Não fez… e a partir daí achei que os filmes americanos eram uma fraude e passei a vê-los com desconfiança. Qualquer toque e os carros explodiam sempre, com o bandido lá dentro. O meu deu uma data de cambalhotas, a gasolina jorrava para cima de mim e … nada.

Foi o fim do meu segundo carro. Ia sendo o meu também. Não foi. Esperei por socorro e pouco depois percebi que estava sem carro. Talvez eu não gostasse assim tanto dele. Não tive pena por aí além.

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A esquerda iracunda

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O termo «virgens ofendidas» está gasto, é corriqueiro, cliché, fora de uso, redundante, de mau gosto, o que for. Mas não me ocorre outro mais adequado ao corropio da nata da esquerda bem pensante sobre as considerações que Cavaco Silva fez no prefácio do seu livro «Roteiros». Cavaco disse que Sócrates foi desleal a propósito do último PEC. Sócrates ser desleal não é grave por aí além, nem sequer nada que dele não se esperasse, conhecida a peça, o problema é que o ex-primeiro ministro foi institucionalmente desleal e isso é particularmente grave. Porque envolve as instituições e, no caso, a mais alta instituição do Estado.

O bruaá que por aí vai, assim, não é mais do que uma manifestação de claque que não se detém em matéria factual e berra pelas cores da camisola, com a mesma desfaçatez com que insultaria a mãe de um qualquer árbitro de futebol. E quando digo matéria factual refiro-me à dificuldade que tenho em admitir que esta rapaziada socialista que brame aqui pela blogosfera, jornais e televisões não saiba, claramente, que Sócrates é desleal, desconfiável e pouco sério. Sempre foi, não percebo onde está a novidade.
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quarta-feira, março 07, 2012

My name is Nelson RepreZas

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My name is Bond. James Bond, James Double O Seven. Esta era a categórica apresentação do mais Bond de todos os Bonds que existiram. Numa versão mais «brega», havia o Mr. Koos. James Koos, James Double O, Esse.

Pois bem, por mim, my name is Reprezas, Nelson Reprezas, Nelson Ar-i-pi-ar-i-zede-ei-esse. Não é coisa que meta medo ou inspire deferência por aí além, não lembra «magnums» automáticas, Aston Martins anfíbios, steel sharky teeth nem sequer, oh! miseranda realidade, nomes de Bond girls como Honey, Kiss, Pussy, Plenty, Tilly, Holy, Stacy, Tracy, Aki, Rosie, Bibi, Lupe, Magda, Pola, Kara ou Jynx. Eu é mais, Marisas, Andreias e Cátias Vanessas, não conduzo propriamente um Aston Martin mas, que diabo, modesto mas honrado. Isto de gradualmente me acentuarem o Nelson e mudarem o «Z» do Reprezas para um «S», por decreto, tira-me do sério e desperta o Bond adormecido que me jaz nas entranhas.

Tudo começou com um Nelson futebolista que passou a ter direito a acento no «E». Mais tarde o RepreZas passou a RepreSas, sem me pedirem autorização ou perguntarem nada e sem respeito por uma honrada e diligente cidadã galega que há seis gerações atrás me deu o nome. Daí para a frente, os «Nelsons» acentuados (aportuguesados?) passaram a desfilar com o irritante acento agudo e eu começo a sentir-me tirado do sério. Acento… por alma de quem? Mesmo em versão portuguesa, por que carga de água o «E» não pode permanecer como veio ao mundo?

Isto vem a propósito da capa de hoje do Correio da Manhã, o PPM está exultante, há um Nelson engenhoso que sela a vitória do «esselbê» contra os russos. Li a coisa e apetece-me puxar a minha parabellum, encostá-la ao nariz de alguém e sussurrar em voz cava, num tom daqueles que metem um medo imenso. My name is Reprezas, Nelson Reprezas, no éccênte, é que nem tente!
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A Stellinha faz anos





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Chama-se Stella, é liiiiiinda, faz hoje seis anos (!!!!!) e é minha neta. E eu gosto!
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terça-feira, março 06, 2012

Mário Soares decepcionado. Ou de como um Nobelizado se corrompe e perde a honorabilidade em troca de um almoço oferecido por Passos Coelho

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Mário Soares deve deitar-se todas as noites com o convencimento da sua indispensabilidade na sociedade portuguesa e na absoluta inevitabilidade da corte o ouvir e, não só, tomar o seu pensamento como a via iconográfica que nos levará à redenção dos pecados do capitalismo que tivemos de adoptar (designadamente ele próprio, quando teve que meter o socialismo na gaveta, uma maçada…) e à descoberta daquele amanhã que nunca mais canta.

Desta vez embirrou com Krugman, uma pessoa com quem até é fácil de embirrar em algumas ocasiões. Mas o Nobel veio a Portugal (Soares diz que veio a Portugal agradar aos nossos governantes que lhe ofereceram um almoço) e como disse algumas coisas desagradáveis para a irresponsabilidade da esquerda que integra Mário Soares e que foi objectivamente responsável pelo caos a que chegámos, foi zurzido pela competência de Soares que ainda hoje acha que os destinos de uma nação se traçam com aquela retórica de esferovite que se aprendia nas mansardas de Paris ou nas rádios argelinas, ou que os problemas das pessoas se resolvem a contar histórias de quando éramos presos pela PIDE, ou ralhando imenso com os polícias, com ele gostava de fazer perante o gáudio do povo.

Soares embirrou com Krugman porque este elogiou a troika e quis ser agradável para com os governantes portugueses que lhe pagaram um almoço, se esqueceu da recessão (Soares deve achar que Krugman deve ter tido alguma culpa) e do desemprego em Portugal ter atingido os 14%, uma coisa que se ia resolver quando Sócrates ia criar 150.000 empregos mas o Passos Coelho e outros vendidos ao capital não deixaram. Basicamente foram estas as razões aduzidas por Soares para ter embirrado com Krugman, pelo menos reli o artigo e não consegui vislumbrar outras razões. E percebi como estes Nobel se vulgarizam em troca de um almocinho e, por ele, perdem a honorabilidade. Falta apenas aguardar por um programinha na 1 ou, pelo menos, uma converseta com a pluma caprichosa.

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Mais rilha menos pilha

[4582]

De vez em quando troco pantorrilha por farroupilha. Ou farroupilha por pantorrilha… seja o que for, acaba em «ilha» e uma delas come-se. Ou, numa delas, come-se a outra. Ou comem-se as duas? Lá está, afogo-me sempre na dúvida e é nesta confusão fonética que o Brasil me provoca que fico sempre sem saber se como uma pantorrilha em Farroupilha ou se como uma farroupilha em Pantorrilha.

Uma coisa me aquieta. Parece que tanto a pantorrilha como a farroupilha são estimáveis exemplos de coisas boas, especialmente quando numa delas, a tal
que se situa a cerca de 1000 metros de altitude, se come disto. O «disto» é o que se vê na foto lá em cima e que levou um bom amigo meu, trabalhando em Angola, ao Brasil. Parece que esse meu bom amigo exultou, espumou, salivou e se atirou à pantorrilha/farroupilha (seja lá o que for, ou será onde for?…) como um desalmado entregue aos prazeres do palato. Das iguarias da foto só consegui identificar as batatas fritas, as saladas e o arroz, mas os meus olhos arregalaram-se com o aspecto daquela mesa.

Um dia destes vou a Farroupilha comer uma pantorrilha. Ou vou a Pantorrilha comer a farroupilha ou vou… hummm, vou-me calar e gravar esta foto na memória para quando, mais logo, com ar resignado e de gastronómica indigência, eu encomendar um pindérico bitoque grelhado com alface e tomate, dieta que tenho tentado para não engordar muito as farroupilhas… as pantorrilhas… isso! Quem sabe, até, me chega um piedoso sms a desejar bom-proveito.
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segunda-feira, março 05, 2012

A esquerda de coração partido é um dó de alma!

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«Obrigada, Luiz Sérgio. Você foi e é um amigo e um parceiro que compreende a natureza de um governo de coligação, por isso vai entender que vai ter de ser substituído pelo Marcelo Crivela, o sobrinho do Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus, você sabe, u’a merrrda, eu sei, mas preciso calar aqueles caras histéricos dos evangélicos contra vários dos meus ministros que se manifestaram a favor do aborto e do casamento de homossexuais assim como a dedicação que a política muitas vezes acaba por nos impor em nome dos interesses do país».

E foi assim com a voz embargada pela emoção e deixando rolar uma lágrima furtiva (a facilidade com que os líderes brasileiros vão atrás de choro só tem paralelo com o nosso Sampaio quando pensa na vida para além do défice), que a presidente brasileira despediu o ministro Crivela, pela segunda vez, quando este se encontrava de ferias.

Não há pachorra, mesmo, para a hipocrisia desta rapaziada socialista. Em qualquer latitude!
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Chapeau

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«Ontem li na revista suplementar do Expresso uma reportagem sobre uns meninos e umas meninas com dezoito anos. A "ideia" era retratá-los "sociologicamente" (o que em linguagem de jornal quer dizer superficialmente) no "contexto" do país: o que andam a estudar, a família, a política, as ambições, o sexo. Estes ainda não fazem parte da mitológica "geração mais bem preparada de sempre" mas é para isso que querem caminhar e, muito patrioticamente, de preferência daqui para fora. Na capa vinha um rapaz politicamente correcto, algures "entre o PS e PSD", em metonímia saltitante de jogador de basquetebol, filho de pais separados (são praticamente todos os entrevistados), praticante de sexo com preservativo e que ambiciona casar e ter filhos. Na mochila carrega Maquiavel e estuda (o que é que ele havia de estudar?) direito. Depois há um "beto" de Cascais, silencioso em matéria sexual, mas muito interessado no "empreendedorismo" e na sua "scooter". Ou um outro do interior que queria ser modelo e umas raparigas mais dadas a preocupações sociais e "artísticas". Embirro com esta monomania de apresentar a geração mais nova como "especial". A minha, para não ir mais longe, está hoje nas empresas, nas universidades, nas magistraturas, na função pública e no governo. Não é nem foi mais nem menos "especial" do que qualquer outra e, perdoem-me a vaidade, foi seguramente muito mais bem apetrechada na escola, da primária ao ensino superior, do que jamais poderá alguma vez vir a ser a "geração Bolonha", tão vitimada pelo desemprego como casais de 40 ou 50 anos de idade, necessariamente menos mediáticos, mais feios e com menos hipóteses no "terreno" que os primeiros. A única coisa que se pode "invejar" a esta gente é a juventude mas, sobre isso, a estética literária e o fast food social, cultural e sexual já disseram o que tinham a dizer. Mas como dizia a Magnani, não me tirem as minhas belas rugas que tanto trabalho deram a arranjar».

João Gonçalves, Portugal dos Pequeninos
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domingo, março 04, 2012

Os meus carros (1) «É tão giro ter um Mini»



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Foi o meu primeiro carro. De resto, naquele tempo, ter um Mini era o sonho de qualquer jovem ou, noutro ângulo, uma espécie de inevitabilidade histórica. Acho que a muito poucos jovens passaria pela cabeça que o seu primeiro carro não fosse um Mini.

E assim tomei posse de um garboso ABS-01-46, matrícula de Benguela, embora eu tivesse comprado o carro em Nova Lisboa. Eram três metros de carro com um metro e trinta de altura, verde (almond green) e tejadilho branco (old english white roof) que comportavam um «fantástico» motor transversal de 848 c.c. com 34 cv e nos faziam sentir donos do mundo, enquanto accionávamos uma desajeitada alavanca de velocidades e contemplávamos, extasiados, os mostradores redondos (redondos, valha-me Deus, nada a ver com aqueles mostradores rectangulares da maioria dos carros da época) que nos davam conta da pressão do óleo do motor (um luxo) e do fluxo de amperes para a bateria.

A este carro devo os momentos de êxtase só possíveis a quem conduzia um maravilha como esta, sentindo a sua maneabilidade, «arranque» e um formidável «barulho de escape», cavo e personalizado, como convinha.

Quando casei, ainda o tinha. Saí do copo de água e cobri os 600 km que separavam Nova Lisboa de Moçâmedes sem problemas, salvo umas dez ou 12 paragens em que eu tinha de ir dar umas pancadinhas na bomba de gasolina (eléctrica, daquelas que tinham um pequeno platinado e tudo…) que volta e meia «amuava» e lá ia eu dar umas pancadinhas mágicas para ela funcionar de novo.

Depois deste tive muitos carros. Mas este foi talvez o que mais prazer me deu. Além do mais, lá dizia o anúncio, «era tão bom ter um Mini…»
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A fruta nacional como factor indispensável a alguns treinadores de futebol

[4579]

Porque será que os treinadores que passam pelo FêQuêPê chegam lá fora e dão com os burrinhos na água? À excepção de Mourinho, um dissidente do sistema, todos os outros naufragam no mar da mediocridade. Cá por mim, é tudo uma questão de fruta. A fruta nacional é bem melhor que o que se come lá fora.
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A culpa é dos economistas que não «preveram» os problemas, segundo a «prevesão» de Pedro Marques Lopes




[4578]

Acordei com a repetição do Eixo do Mal. Dá aí pelas sete da manhã. Um período em que, estremunhados, tropeçamos no sonho e o misturamos com a realidade, o que, convenhamos, pode ser perigoso, quando se trata de ouvir uma colecção de «paineleiros» ensimesmados e assustadoramente truculentos, a malhar em Passos Coelho, no que parece ser a sua profissão de fé. Clara Ferreira Alves e um tal Pedro Marques Lopes, então, são inexcedíveis no ar chocarreiro formatado numa evidente ignorância e má fé.

Estremunhado, repito, tive de me levantar da cama, cambalear entre os cómodos em busca do controle remoto, quando ouvi o seguinte:

- Mas afinal quem era Paul Krugman há dois ou três anos atrás?

Isto dizia Pedro Marques Lopes que, aparentemente, acha que todos sabemos quem era há dois ou três anos, antes de se tornar na estrela televisiva que hoje julga que é. Acrescentando que Paul Krugman era um simples economista o que nem por isso é muito abonatório, já que somos governados por economistas que, afinal não preveram (ai, que até dói…) a situação em que estamos.

A seguir, vinha a pluma caprichosa, que nem uma leoa ferida, a dizer umas patetices habituais sobre Cavaco Silva… e é quando encontro o controle remoto. Que não atirei ao monitor porque me custou dinheiro. E porque não me posso permitir ficar maluquinho com a qualidade (e seriedade) dos nossos «paineleiros» habituais e desate para aí a partir televisores.
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sexta-feira, março 02, 2012

Conemos

[4577]

O Azeite Gallo tem um processo no Brasil, acusado de ser racista num dos seus anúncios.

Os brasileiros lá sabem com que linhas se cosem mas se os pruridos demonstrados alcançam este tipo de rigor, é caso para pensarmos que a sua (deles) imaginação não é lá essas coisas. Chamar CONAR a uma comissão que… bom, chamar «conar» seja ao que for e achar que um frasco escuro é racista parece-me, no mínimo, bizarro. E se alguma vez eu mandar aqui na paróquia e me aparecer alguém da «conar» eu mando-o conar para outra freguesia porque já cá há quem cone com destreza e sem qualquer complexo racial.
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Meninas à sala, quem quer fregueses?

[4576]

A casa de putas mantinha um garboso lugar no roteiro de boémia de várias cidades portuguesas. Nomes de locais, praças, ruas ou travessas tão honrosos como o Terreiro da Erva, Quintal do Prior, Rua das Linheiras ou Rua da Atalaia eram mencionados com reverência e eram normalmente termo e sinónimo de noitadas pontilhadas de copos e cantorias.

As putas, em si, eram criaturas simpáticas e despertavam nos boémios uma mescla de sentimentos que iam do puro desejo à amizade, pelo conhecimento que os clientes tinham de inúmeras histórias de vida, quase todas elas começadas por um coronel ou um senhor de bem e de bens que desonravam donzelas e as abandonavam com um filho no regaço, ao que as desfloradas respondiam com a venda do corpo para alimentar as crias. Havia outras histórias, claro, outras vidas, outras mulheres, as situações eram diversas mas, no fundo (em muitos casos, literalmente) se fundia uma história de vida e uma forma de estar. Era o tempo das inspecções sanitárias, das estatísticas, dos registos, de perseguições, mas onde tudo se fundia na abertura de um postigo, uma espreitadela para ver o cenho dos clientes e, sendo aprovados, um gritinho de ordem no interior: - meninas à sala, quem quer fregueses?

Na altura não havia autarcas zelosos, associações disto e organizações daquilo, muito menos havia uma fauna grotesca de gente que acorda de manhã com a impante sensação ou messiânico convencimento de que o mundo não passaria sem ela e, sem ela, no mundo se instalaria o caos, a desgraça, a injustiça e mesmo até o «fassismo». Por isso as putas eram razoavelmente felizes e os utentes (ainda não se dizia utentes, nem havia comissões de, mas que havia gente que as utilizava havia, pagando, é certo e mesmo em alguns casos os níveis de confiança eram tais que até existia fiado) extravasavam as suas alegrias, idiossincrasias … extravasavam muitas coisas, enfim, muitas delas, se extravasadas hoje em ritmo e quantidade desejáveis, evitariam muitos idiotas politicamente correctos, os tais que acordam de manhã indagando-se sobre a forma de termos um mundo como deve ser.

Hoje é diferente. Os zelotas dos bons costumes e do politicamente correcto tornaram-se uma forma profissionalizada de gente que engloba enquadradores, responsáveis, religiosos, activistas, responsáveis de comissões e outros palavrões que, como por milagre, aparecem aos magotes sempre que uma medida de relevo surge na comunicação social (onde é que eles andavam antes?). E ali estão eles depois, competentes, atentos e muito compenetrados debitando idiotices sobre a nobre missão de que acabam de ser incumbidos. É o caso da recente proposta das Irmãs Oblatas e de um Grupo Português de Activistas sobre a Sida à Câmara Municipal de Lisboa, na qual se prevê a construção duma safe house (assim mesmo) para trabalhadoras de sexo. Verdadeiramente, tudo ao molho e fé em Deus. Tem sido, assim, um bruaá de doutas opiniões, correctos pareceres e uma chuva de apontamentos de reportagem. O último ficou-me agora mesmo no ouvido quando uma senhora que, ao que parece, tem uma lavandaria no Intendente, disse que achava a safe house uma boa medida para as senhoras trabalhadoras de sexo.

Se eu fosse puta à boa maneira antiga, tipo «Laurinda dos gatos», «Josefa das mamas», «Estrelinha do 23» (hear say!…) e imbuída daquele espírito dos anos sessenta e setenta e me chamassem senhora trabalhadora de sexo eu era muito bem capaz de «afinar» e dizer ao repórter: - Senhora trabalhadora de sexo é a sua tia. Uma expressão, afinal, hoje muito em voga, e que eu certamente ajustaria à terminologia da época. Talvez mais bruta mas certamente bem mais sincera e muito menos hipócrita.
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quinta-feira, março 01, 2012

O Insurgente

[4575]

O Insurgente completou sete anos de vida.

O Insurgente é de minha leitura diária e posiciona-se, sem margem de dúvida, na linha dos melhores blogues portugueses.

Tchin Tchin
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