segunda-feira, junho 09, 2008

Comentar "inssencialmente" o que verdadeiramente interessa


Rui Santos, comentador na SICNotícias não comenta ao vivo. Mas vale a pena ouvi-lo, uma vez que seja. Ele ilustra bem aquela expressão que uso no post abaixo de falar em "carrossel" e de conseguir falar longos minutos e de, às tantas, já não sabermos bem o que é que ele está a tentar dizer. Mais grave: - Nem ele. Alonga-se de tal maneira que verdadeiramente se "perde" no emaranhado que teceu. Um "case study", este Rui.

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Um treinador de antanho, Artur Jorge de seu nome, disse uma vez que sempre que via futebol na televisão, desligava o som e punha auscultadores com música clássica. Única forma, dizia ele de conseguir ver os jogos sem lhe apetecer mandar uma jarra ao monitor.

Os anos passaram e eu acho que Artur Jorge parece ter cada vez mais razão. Independentemente do tratamento de polé dado à gramática e daquele discurso tipo carrossel que anda á volta das coisas durante longos minutos, de tal maneira que a acção no campo é já uma outra completamente diferente quando o comentador acaba o comentário, há um desfasamento total entre o que diz e a acção no campo. Situações de grande emoção, de iminência de golo, de lesões de jogadores ou outras, que poderiam e deveriam ser aproveitadas para se enfatizar o momento e acrescentar aquela pontinha de emoção ao episódio, passam ao lado dos comentadores que, ao invés e em simultaneidade com a emotividade da cena, se entretêm com comentários tão importantes como o que Cristiano Ronaldo comeu ao pequeno almoço, da tosse de Nuno Gomes ou do gosto do Miguel Veloso pela roupa que compra.

Esta é uma pecha antiga dos comentadores desportivos no nosso país e que eu tenho alguma dificuldade em perceber. Basta sintonizar qualquer outra estação de televisão estrangeira para percebermos as diferenças e a forma como se deve comentar. A nossa forma de comentar reflecte bem o nosso espírito pequenino e pífio de analisarmos o fenómeno desportivo, dando primazia à coscuvilhice em detrimento daquilo que se passa no terreno, muitas vezes no meio de grande emoção.

Este fenómeno não é exclusivo do futebol. Actualmente, na Fórmula 1 assistimos ao mesmo tipo de comentários quando, por exemplo, no meio de uma fantástica ultrapassagem, da mudança de líder por força de uma paragem melhor nas boxes ou de um espectacular acidente, estamos a ver essas imagens e a ouvir o comentador, alegremente, falar do piloto A que está de malas aviadas para a equipa B, do mau feitio do Alonso, ou do dirigente C que foi apanhado com uma beldade em Monte Carlo e a mulher não gostou.

Sinceramente, houve tempo em que não percebia porque é que as coisas se passavam assim. Hoje, doze anos depois de ter assentado na mãe pátria, percebo tudo muito melhor. Não gosto do que percebi, mas é a vida, como dizia o outro. A vida portuguesa diria eu.

Nota: O “inssencialmente” do título é uma homenagem ao nosso inefável Carlos Manuel que no Sábado usou o termo mais um punhado de vezes.

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