quinta-feira, julho 19, 2007

Idiotia sistémica


A vinha que a Quercus acha que não devemos ter

[1895]

Há um senhor que se usasse gravata e guardanapo ao pescoço quando almoça poderia muito bem ser João Proença da UGT, tal a semelhança fisica entre eles. Como não usa, é apenas um senhor da Quercus de quem não conheço o nome mas que me entra em casa quase todas as manhãs para me avisar que se eu tiver uma torneira a pingar devo chamar o canalizador e que não devo deixar o televisor em "mode stand by" porque me custa mais €30/ano. Tudo funções nobres e, sobretudo, educativas, não fosse eu chamar um técnico oficial de contas para me arranjar a torneira ou entrar numa forma desbragada de consumo de energia eléctrica.

Este senhor e outros como ele funcionam assim tipo educadores de infância, pelo menos ganham deles (e delas, como se diz no PS) o trejeito. Depois, é uma questão de adicionarem ao trejeito (o senhor em causa tem trejeito, jeito é que nem por isso…) politicamente correcto em uso nesta repartição que se chama Portugal e "voilá". Mantêm o senhor que é parecido com o João Proença ocupado e Deus o proteja e o ilumine sobre os conselhos a dar á "pequenada".

Mas hoje, irritou-me. Diz o senhor parecido com João Proença sem guardanapo ao pescoço que os produtos viticolas e vinicolas podem e devem provir de vinhas biologicas pelo que os senhores viticultores não deveriam tratar as vinhas a não ser com sulfato de cobre e nunca usar produtos sistémicos. E falava com uma vinha em plano de fundo, totalmente coberta de ervas infestantes. Sem que me passe sequer pela cabeça fazer disto uma aula sobre fitossanidade, é necessário referir apenas alguns rudimentos sobre a coisa, não vá a grei convencer-se que existe mesmo a tal seita malévola que acorda todos os dias disposta a lixar alguém. Assim:

1 – O sulfato de cobre não é suficiente para uma acção profilática das vinhas. Há outras doenças e estirpes de fungos para os quais o cobre poderá ter de ser utilizado na forma oxicloretada ou de hidróxido;
2 – Os produtos sistémicos são, normalmente, de mais elevado "LD50" que os produtos de contacto e, portanto, de menor toxicidade;
3 – Os produtos sistémicos são de maior e mais rápido grau de degradação, o que os torna mais seguros para o ambiente. Os produtos foliares de contacto acabam por se depositar no solo ou por acção de chuvadas ou pela queda das folhas;
4 – Os produtos sistémicos são mais económicos que os de contacto porque têm acção tanslaminar e menores doses chegam para penetrar na circulação das plantas. Isto resulta em vantagens económicas e de eficácia porque se os produtos de contacto não forem aplicados através de cobertura suficiente (maiores quantidades de calda) funcionam deficientemente. Ou, simplesmente, não funcionam;
5 – Hoje há uma gama avançada de produtos, sistémicos ou não, que combatem diferentes formas e tipos de doenças criptogâmicas para as quais o sulfato de cobre não chegaria;
6 – Finalmente, o cenário de fundo do senhor da Quercus parecido com o João Proença da UGT é tudo aquilo que uma vinha não deve ser. Uma plantação coberta de ervas daninhas (é extraordinário que o tal senhor apontou as infestantes dizendo que era assim que as vinhas deviam ser…) que "roubam" à cultura até 45% dos nutrientes disponíveis e é um ninho óptimo para um conjunto de pragas que poderão não só atacar a vinha como culturas limítrofes mais apetecíveis, como o milho, a batata e, de um modo geral, culturas de material não lenhoso, mais doce e mais fácil de comer, que nesta coisa de insectos, eles podem ser bons "gourmets". O controle de infestantes de uma vinha hoje pode ser feito com produtos sistémicos (lá está), com uma toxicidade semelhante à do ácido acetilsalicílico que é aquela coisa, vulgo aspirina, que nós tomamos quando nos dói a cabeça ou sofremos das coronárias e, sobretudo, totalmente degradáveis e, portanto, sem qualquer acção residual no terreno.

E antes que pareça eu estar a fazer concorrência à Riquita com os seus excelentes e elucidativos posts, fico por aqui. Até porque perderia em brilho. Aliás, limitei-me a tentar dizer, polidamente, que o minuto verde da Quercus, na RTP, é, frequentemente, o minuto idiota. Porque sobre o que aqui referi de forma rudimentar poderia escrever páginas e páginas. Mas isso seria desinteressante e creio ter deixado o essencial.


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12 Comments:

At 10:58 da manhã, Blogger Sinapse disse...

Brilhante, Espumante, brilhante!





:))

 
At 12:43 da tarde, Blogger Carlota disse...

Tem graça...
Nestes dois últimos dias também tenho ligado a televisão pela manhã e os spots de informação da Quercus também me têm causado uma impressão. Ou será da DECO?... É que não são feitos por um senhor, mas por uma menina, também um bocado irritante.

 
At 4:39 da tarde, Blogger TheOldMan disse...

O tipo de gente que abraça "causas" por moda, não tem normalmente perfil para se dedicar a uma investigação mais aprofundada no que toca a pormenores técnicos.

Abraço.

;-)

 
At 11:18 da tarde, Blogger António de Almeida disse...

-Já vi minutos melhores que os últimos, já vi conselhos nesse programa bastante úteis, e no dia seguinte algo sem pés nem cabeça, é a necessidade de todos dias se afirmar algo, sem se desenvolver nada, mais valia abordarem um tema e explorá-lo durante 1 semana, em vez de soltarem frases a metro. Mas isso cabe á RTP e à Querqus.

 
At 7:47 da manhã, Blogger Nelson Reprezas disse...

sinapse
Beijinhos

 
At 7:48 da manhã, Blogger Nelson Reprezas disse...

Carlota
Dum ao outro... mas da Deco, acho ue é uma mulher
Beijola

 
At 7:49 da manhã, Blogger Nelson Reprezas disse...

the old man
A questão nem está bem no saber-se ou não do que se está a falar mas mais na "religiosidade" dos temas adoptados como politicamente correctos, os quais são frequentemente reduzidos a tratos de polé.
Sinais dos tempos. Abraço

 
At 7:50 da manhã, Blogger Nelson Reprezas disse...

antónio de almeida
O comentário ao Old Man serve para si, para definir a forma como vejo o problema
Um abraço

 
At 10:24 da manhã, Blogger António de Almeida disse...

-Mas isso faz parte do formato tablóide com que nos impingem todos os temas, só se discutindo aqueles que alguém classifica como de politicamente correcto, logo oportuno, e não desenvolvendo tema algum, o exemplo levado ao extremo poderemos encontrá-lo no prós e contras, mesmo que se trate um tema que nos interessa, acabará o mesmo por ser apenas levemente abordado, porque nenhuma ideia é pasível de ser explanada.
Cumprimentos.

 
At 3:56 da tarde, Blogger Sinapse disse...

Uma adenda ao meu comentário ...

O post está brilhante, e a correcção do erro do senhor impunha-se ... aliás, impõe-se que seja feita por meios mais oficiais! o teu post deveria ser enviado ao canal de televisão, para ver se aprendem a ter mais rigor e profissionalismo.

MAS ... devo adendar ...
... que eu até aprecio estas incitativas, para 'educar' a massa, o povo, o tuga ... nunca é demais!! Se todos aprendermos a contribuir com pequenos gestos, fazemos a nossa parte ... mesmo que a indústria continue prevaricadora, o Estado continue prevaricador ...
... quem ouve esses minutos quercus hoje, será empresário amanhã, será o industrial de amanhã, estará amanhã no Governo, educará novas gerações ...

O formato da quercus na televisão pode ser simplista, o senhor ou a menina podem ser irritantes, mas não é de todo prejudicial ...
... com a devida ressalva para erros como o que tu apontaste ... mas isso é outra história, que escapa à defesa do princípio que aqui (tento) explanar ...

... não me apeteceu limar ou polir o texto, e por isso vai assim, mal argumentado ou mal estruturado ... mas o essencial está dito ... Prontos!


;))))

 
At 10:51 da manhã, Blogger Nelson Reprezas disse...

sinapde
Percebo o teu ponto de vista e até concordo com muito do que dizes.
Mesmo assim, deixo-te a transcrição de um artigo da Helena mMatos no Público (ela escreve também no Blog Blasfemias, não me apetece fazer links mas vem na minha coluna da direita. Para além da excelência do artigo, tenho a certeza de que te vai fazer pensar. Ora lê:

Basta acompanhar a recente polémica sobre o serviço cívico que tem atravessado as páginas do “PÚBLICO” para perceber como o tempo não lectivo dos estudantes sempre foi terreno fértil para os proselitismos vários. Contudo, a par dessa discussão sobre «quem mandou quem fazer o quê«, é importante que demos mais alguma atenção ao que foram e como funcionaram essas mobilizações do chamado sector intelectual e estudantil após o 25 de Abril.
Os processos revolucionários detestam o ócio, os tempos livres e temem as actividades cuja organização do tempo e das hierarquias lhes surge como desregulada. Os serviços cívicos e as campanhas de alfabetização funcionam como meio de ocupação e controlo daqueles que, pelo seu estilo de vida, são dificilmente controláveis. (Assim se entende que durante o congresso dos escritores, em 1975, uma das propostas aí apresentadas até colocasse a hipótese de se alargar o serviço cívico aos escritores.)


O PREC não dividiu os portugueses apenas em revolucionários e contra-revolucionários. O povo que supostamente seria libertado pela revolução também foi dividido em consciente e alienado. Às vezes o retrato dos «alienados do Norte» era quase grotesco. Não afiançou, em Cuba, Otelo Saraiva de Carvalho, que as Forças Armadas Portuguesas iriam participar no desenvolvimento do Norte do país onde, segundo ele, existiriam localidades cujos «habitantes têm um vocabulário inferior a 500 palavras»?
Foi nesse país dos ignorantes e alienados que as campanhas sanitárias e de alfabetização, que arrancaram ainda no Verão de 1974 e que anteciparam o serviço cívico, tal como as sessões de dinamização levadas a cabo pelo MFA, como a «Nortada», e a «Verdade», tiveram quase exclusivamente lugar.
O serviço cívico e as campanhas de alfabetização não dizem apenas respeito aos estudantes e a quem os dirigia. Eles inserem-se numa visão revolucionária da sociedade em que, como afirmou Sartre, em Lisboa, em 1975, «As eleições são uma ratoeira para idiotas.» Mas não só. É também uma sociedade em que, em nome da igualdade material entre os homens, se estabelece entre eles a maior das desigualdades: a intelectual. Por isso, em Lisboa, há 32 anos, ninguém se indignou quando, após invectivar os estudantes para que fossem para os campos fazer a revolução cultural, Sartre perguntou : «O Povo Português no seu conjunto, os camponeses do Norte, por exemplo, são cidadãos livres e capazes de votar com todo o senso que esse voto implica ou ainda não são capazes?»


E, já agora, este:

O "Zé" e os tempos livres*

Se lêssemos a totalidade dos programas dos candidatos às autárquicas descobriríamos que muito mais grave do que as promessas não cumpridas pode ser aquilo que os candidatos se propõem fazer, caso fossem eleitos. Por exemplo a figura do “Zé” fica muito menos simpática quando se lêem as páginas que no seu programa Sá Fernandes dedica às escolas do ensino básico.
O que aí encontramos é um intenso dirigismo, proveniente de um partido que pretende aumentar o controlo municipal sobre as famílias, impedindo-as de escolherem a escola pública que lhes for mais conveniente, e que vê na escola pública o espaço ideal para fazer proselitismo político – vejam-se, por exemplo, as linhas dedicadas à Educação para a Cidadania no seu programa. É claro que no passado as coisas tinham designações mais óbvias como Mocidade Portuguesa ou Pioneiros mas, nos tempos que correm, as aulas de Educação para a Cidadania podem vir a ser utilizadas como espaços de doutrinação. E o “Zé” sabe disso.

Beijinhos doutrinários :))

 
At 2:04 da tarde, Blogger Sinapse disse...

Já percebi!! é que tu politizas todos os temas!! Eu, longe longíssimo disso!

As minhas opiniões são do senso-comum, e nada politizadas. Por isso não me faz género o termo aquecimento global (porque não o vejo/penso como arma de arremesso contra os E.U.A. ou contra o capitalismo ...), por isso não me parece errado dizer que alertar quem quer que seja que esteja a ver televisão a essa hora (jovens, velhos) não prejudica e até pode contribuir para uma lenta mudança de mentalidade, sempre no espírito do pouco-a-pouco e por pouco que seja, se cada um contribuir com um pequeno gesto ...
As várias opiniões que expressei são totalmente desprovidas de significado/opinião política.

Posso acrescentar que até me identifico contigo (em alguns aspectos e talvez de forma menos radical ... porque sou de outra geracao ... menos guerra-fria) quando entro no politicamente falando! Mas isso já seria outra realidade, alheia aos meus comentários anteriores.

Beijinhos,
Sinapse

 

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