domingo, novembro 07, 2004

Eu te(i)nho(a) um Mercedes...



Razões inesperadas levaram-me a Coimbra ontem.

É um lugar comum falar-se do trânsito caótico e da nossa falta de civismo. Por mais que nos esforcemos a culpar o traçado das estradas, a deficiente sinalização das mesmas, penso que não restam dúvidas que a causa primeira da guerra civil em que estamos empenhados remete para o mais extraordinário comportamento dos nossos condutores. Conheço alguns países do terceiro mundo, conheço vários na Europa, também, em todos eles há trânsito difícil, engarrafamentos e dificuldades decorrentes disso mesmo. Mas o belicismo provinciano, o arreganho parolo e a ausência das mais elementares regras de respeito próprio e pelos outros serão dificilmente igualáveis noutros países. Não conheço Bombaim... nem o Brasil. Parece que há por lá alguma aproximação. Mas, de qualquer forma, os contextos são diferentes, hoje estamos inseridos no espaço europeu, temos estradas europeias e condutores supostamente europeus. Daí que eu considere que o trânsito automóvel deveria constituir um case study, não do trânsito em si mas de uma equipa competente de sociólogos, antropólogos, psicólogos, não esquecendo um par de sargentos da polícia da NYPD, por exemplo, que sei eu... dum grupo enfim, que conseguisse fazer um trabalho bem fundamentado junto das instituições competentes no sentido de se disciplinar o trânsito automóvel e, consequentemente, poupar muitas vidas, Na maioria, jovens, como se sabe.

Eu sei que é difícil. Há os que peroram sobre a educação de base, sobre a incompetência dos governos , os traçados das estradas, o stress e todo um ramalhete de razões que terão, obviamente, razão de ser e têm, sobretudo, a ver connosco, mas que não podem, não devem excluir a medida base que se me afigura urgente e, surpreendentemente, fácil – reprimir. Palavra feia mas se alguém se lembrar de outra melhor, eu agradeço. Porque mesmo admitindo que a educação e mudança de mentalidades funcione isso levará pelo menos mais uma ou duas gerações e entretanto, morrerão, estatisticamente, mais 30.000 pessoas. Não pode ser. Eu não posso ter medo de ir a Coimbra ou ao Porto, de automóvel. Posso ter consciência de que há riscos, avarias, distracções, doenças súbitas que poderão ocasionar acidentes, mas não posso ter medo de que um exército de grunhos continue a circular nas estradas em velocidades à volta dos 200 km/hora, ninguém lhes fazer nada e ter de ouvir gente supostamente responsável na televisão, com tempo de antena para dizer que tem um Mercedes, que é um carro seguro, coisa e tal e, por isso, não concorda nem cumpre o código de estrada.

Tenho uma filha que acabou de tirar a carta e que vai ser lançada às feras. Porque não lhe vou dizer para ficar em casa porque há assassinos à solta e comportamentos esquizóides... ou entramos na total perversão da vida em sociedade.

Tudo isto a propósito de eu ter assistido ontem a um condutor, à minha frente, em plena auto-estrada, que deliberadamente “obrigou” um outro condutor que o precedia a encostar à berma, assim ao estilo de um filme série B de polícias e ladrões, para tirar desforço... sabe deus de quê. Isto em pleno fluxo de dezenas de viaturas em velocidade de cruzeiro que se viram obrigados a travar, a desviar e, até, a abrandar... para ver “o que se passava” claro!