segunda-feira, agosto 23, 2004

Botar figura

Curto e grosso. Depois de um 11º lugar (salvo erro) numa prova de atletismo, Manuel Silva disse, num inflamado directo para a televisão, mais palavra menos queixume e procurando respeitar a fonética “...que estaba em Atenas às custas dele, que as sapatilhas estábam rotas, se quiserem eu lebo para Portugal e mostro, que num tinha apoios, cumo é que querem que uma pessoa bote figura, a única ajuda que recebi foi da Câmara de Mátozinhos ...” e etc., etc., que este palavreado acaba por conduzir à náusea. Habituado como estou a episódios edificantes deste género em que as nossas instituições são férteis, confesso que acreditei. Afinal, pouco tempo volvido, o presidente do Comité Olímpico Nacional desmentia o Manuel, disse que eram declarações delirantes e que ele, o Silva, estava em Atenas integrado na comitiva Olímpica com as respectivas despesas pagas. Mais tarde, Manuel Silva desmentia-se a si próprio, assim com cara de quem foi apanhado pelo chefe a roubar os tinteiros do computador para levar para casa, dizia que as coisas não eram bem assim, que ele tinha poucos apoios mas isso era porque ele próprio não os tinha pedido, que pedia desculpa pelo que tinha dito e agradeceu a atenção dispensada. Estes episódios, de tão tristes, poderiam ficar por aqui, não fora o facto de eles representarem fielmente o pior que transportamos em nós, seja por índole própria, seja pela cultura de desgraçadinhos e subsídio-dependentes que nos foi instilada durante gerações. O que fica neste caso é a nossa habitual bonomia e irresponsabilidade. Até por uma questão pedagógica, o senhor Manuel Silva devia ser punido. Quanto mais não fosse por uma questão de dignidade e pelo respeito que deve aos contribuintes que ajudaram a que ele comesse “uma bucha” enquanto, de sapatilhas rotas, andou por Atenas. Por extensão, ocorre-me a nossa fraca prestação nos JO de Atenas. Mas isso remete para uma reflexão mais apurada. Enquanto o País não se convencer que o desporto começa na escola, instilando nos jovens não só o espírito de competição mas, também e sobretudo, que ele deveria fazer parte do currículo escolar, não há subsídios que levem a parte alguma, relevando figuras de excepção que, pelas suas naturais aptidões, ressaltam da mediocridade, como Carlos Lopes, Mamede, Fernanda Ribeiro, Rosa Mota, Carla Sacramento e poucos mais... A Holanda, com metade do nosso território e uma população pouco maior que a nossa tem tido nos JO um comportamento e resultados notáveis. Por isso, a existência de valores não tem a ver com a quantidade de “matéria prima” disponível, mas sim com a existência de alfobres, onde a competição, brio, rigor de treinamento e cultura desportiva sejam desde sempre valores a instilar e cultivar nas nossas crianças. Uma questão de cultura, afinal.